Se o projeto de lei que pretende tributar fundos de renda fixa e multimercados fechados (PL nº 10.638) com o "come-cotas" e equiparar o fundo de participação familiar a uma empresa receber aval do Congresso, um dos efeitos colaterais esperados é a transferência de poupança doméstica para o exterior.
"Ao mexer no fundo fechado o governo está lidando com uma parcela de investidores que pode facilmente mudar de jurisdição, um grupo que tem muita mobilidade", diz Ana Cláudia Utumi, do escritório Utumi Advogados. "A maioria das estruturas é formada por famílias empresariais de alta renda, que do dia para noite podem escolher existir fora do Brasil, trocar um fundo aqui por um no exterior e pagar 15% de imposto de renda só quando resgatar."
Ela explica que os ganhos de capital obtidos no exterior têm alíquotas que variam de 15% a 22,5%, com a mais baixa valendo para resgates de até R$ 5 milhões ao ano, e que a maioria das famílias se disciplina para limitar os saques a esse valor. "No primeiro momento, [o governo] tem uma grande base [de arrecadação], mas se jogar para frente, em alguns anos vamos ver uma redução significativa no número e valores nos fundos."
Com a tramitação da MP 806 no ano passado, ela diz que algumas famílias reorganizaram as estruturas, começaram a olhar se tinham, por exemplo, ações ou ativos de créditos nos multimercados. Ao jogar ações a um fundo específico, a alíquota cai a 15% e não tem come-cotas, enquanto papéis de dívida num fundo de recebíveis recebem o tratamento tributário dos portfólios de renda fixa, com a tabela regressiva de 22,5% a 15% conforme o prazo, mas sem o imposto semestral.
"Até 31 de dezembro deste ano, posso reorganizar meus fundos, coloco tudo em preto e branco. Ações em FIA, recebíveis ou títulos de crédito cabem num FIDC, e ao fazer esse tipo de ajuste eu só estou adequando à realidade econômica. Eu entendo que esse tipo de ajuste é defensável do ponto de vista tributável, só colocando nas caixas corretas."
Guilherme Cooke, do Velloza Advogados, considera que qualquer que seja a reestruturação que o investidor faça, ele não vai ter muita saída e vai acabar pagando o imposto. Isso porque a regra atual prevê que cisões, incorporações ou algum outro evento societário em fundos só não gerem tributação se o aplicador sair de um regime mais favorável para um pior. O que deve ocorrer, porém, é o contrário.
"Do ponto de vista prático, o que vai ser feito é a cisão de um fundo multimercado para outras caixas de tributação mais favorecidas. O cliente consolidava debaixo de um multimercado um FIP [fundo de participação], um fundo de ações, regimes mais favoráveis."
Só que quando o projeto de lei for aprovado, qualquer alteração na estrutura dos fundos passa a ser tributável. "Ninguém vai sair dessa sem pagar nada. Qualquer preparo para o projeto de lei vai suscitar pagamento de IR, mas vale a pena, porque isso não é nada se comparado à cobrança do come-cotas em cima dos demais ativos depois."
Flavio Mifano, sócio do Mattos Filho, sugere comparar a regra atual com o que a lei nova trará. Transferir ativos de crédito para um FIDC, por exemplo, compensa porque o fundo de recebível não tem come cotas.
Ana Cláudia Utumi cita que as reorganizações de fundos não geram efeitos tributários desde que não haja disponibilidade para o cotista, conforme consta no artigo 13 da Instrução 1585.
O texto traz que a transferência do cotista de um fundo de investimento para outro, motivada por alterações na legislação ou por reorganizações decorrentes de processos de incorporação, fusão ou cisão de fundos não implica obrigatoriedade de resgate de cotas, desde que o patrimônio do fundo incorporado, cindido ou fundido seja transferido, ao mesmo tempo, para o fundo sucessor. Não pode haver, porém, transferência de titularidade. A regra condiciona que a composição da carteira do novo fundo não tenha um regime de tributação com alíquotas inferiores às do fundo extinto.