(O Globo – Economia – 02/03/2021)
Com a menor taxa de juros básica da História do país, farta oferta de crédito e preços mais acessíveis, investidores voltaram a apostar nos imóveis como um ativo importante em suas carteiras. Aquele sonho de sair do aluguel também começa a se tornar realidade. Com o isolamento social e o aumento do trabalho em casa, muitas famílias querem morar melhor, com mais espaço. Além disso, o mercado tem apostado em lançamentos modernos e inovadores, tanto com novas construções como com retrofit de prédios antigos, que são mais um charme do Rio de Janeiro.
— A taxa de juros Selic no patamar de 2% fez com que a grande maioria das pessoas com recursos investidos em aplicações conservadoras visse o valor se estagnar ou até ter saldo negativo. Nesses momentos, o mercado imobiliário sempre foi um porto seguro. É uma forma de preservar o capital, porque sempre vai ter um valor. Também houve um movimento de pessoas que estavam esperando o melhor momento para mudar para um apartamento maior ou de um bairro para outro — afirma Claudio Hermolin, presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi).
Hermolin explica que é natural que a Zona Sul tenha sido uma das áreas em que a reação positiva do mercado foi mais sentida:
— As pessoas que têm recursos investidos são as de maior poder aquisitivo, e o segmento de imóveis na faixa acima de R$ 1,5 milhão está concentrado na Zona Sul, no sentido amplo: Ipanema, Leblon, Gávea, Jardim Botânico, Laranjeiras, Botafogo, Flamengo, e também na Barra da Tijuca e na Tijuca.
Mais um fator para o aquecimento do mercado imobiliário, lembra Hermolin, foi a mudança no Código de Obras da cidade, em 2019, que permitiu a construção de apartamentos menores e atraiu os investidores interessados em comprar apartamentos para locação:
— A mudança tornou possível fazer imóveis compactos, que são mais atrativos para investidores. Em 2020, houve lançamentos no Jardim Botânico, em Botafogo, no Flamengo, no Centro. Se o investidor tem R$ 1,5 milhão para investir em imóvel, ele vai preferir três imóveis de R$ 500 mil, porque amplia o leque de possibilidades.
Fundador e presidente da incorporadora Piimo, Marcos Saceanu destaca que os apartamentos menores trazem os pequenos e médios investidores para o mercado imobiliário:
— Um apartamento que custa de R$ 500 mil a R$ 600 mil, pago em parcelas, traz o investidor que não é multimilionário. Ele participa do mercado imobiliário com apartamento maior, para moradia, e unidades menores, para investimento. Com a reformulação do Código de Obras, o Rio de Janeiro passou a fazer unidades compactas que São Paulo já fazia havia mais de cinco anos. E trouxe a chance de novos produtos, modernos, que a população já desejava.
A retomada do mercado de imóveis no Rio trouxe também um consumidor mais exigente, diz Saceanu:
— As pessoas passaram a ficar mais atentas ao seu ambiente de moradia. Apartamentos mais ventilados, com uma área de lazer bacana, home office, área de co-working, trabalho coletivo, espaços arborizados, rooftops: as pessoas passaram a dar muito valor a bons projetos.
Um exemplo desse movimento é o Paysandu 23, lançado pela Piimo em dezembro, na quadra da praia da Rua Paissandu, no Flamengo, com apartamentos de 28 a 80 metros quadrados e seguindo a tendência de lazer e serviço. Em menos de um mês, 90% das unidades já estavam vendidas.
O empreendimento será um retrofit do antigo Hotel Paysandu, que estava fechado havia quatro anos. O projeto prevê a recuperação total da fachada tombada, lobby com iluminação de Maneco Quinderé e rooftop criado pelo Burle Marx Escritório de Paisagismo. Na mesma rua, a Piimo lançou também o Residencial Paysandu, em que um prédio novo, com apartamentos de dois e três quartos e cobertura, foi erguido e conectado ao casarão histórico, onde funciona parte da área de lazer.
— Esse nicho de empreendimentos de retrofit de imóveis tombados é uma homenagem à cidade, e o carioca adora. Você pega um imóvel totalmente deteriorado, requalifica e devolve à cidade. O Rio tem muitos imóveis históricos que podem sofrer requalificações belíssimas.
Mercado aquecido significa empregos nos canteiros de obras, mais arrecadação de impostos, movimento de investidores, afirma Saceanu:
— A indústria da construção civil sempre foi uma locomotiva de geração de empregos. Por qualquer prisma que você olhe, é positivo. Do ponto de vista do incorporador, do investidor, da arrecadação de impostos como ISS, ITBI, da estética da cidade, da recuperação do patrimônio histórico, da segurança, pois uma área desabitada é uma área insegura.
O presidente da Piimo prevê um ciclo duradouro de aquecimento do mercado imobiliário.
— Acho que vai ter muito movimento de compra, de upgrade, de investimento motivado por toda essa reflexão nova de moradia, apoiada por este momento oportuno de taxas de juros muito favoráveis. Esse balanceamento da carteira de investimentos, colocando ativos imobiliários para os investidores ou a oportunidade de um consumidor final comprar com uma parte financiada pelo banco, é um momento histórico, imperdível. As pessoas estão vendo isso e caminhando para ou aumentar os ativos imobiliários ou adquirir apartamento para moradia e sair do aluguel. Estamos muito animados. Em 2021 a gente pretende fazer quatro lançamentos. O mercado é de bons produtos, charmosos, em localizações excepcionais, é o que o consumidor exige hoje.
A maior oferta de crédito está traduzida nos números da Associação Brasileira de Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip). Os financiamentos para compra e construção de imóveis no país bateram recorde e somaram R$ 123,97 bilhões em 2020, aumento de 57,5% em comparação com 2019. Os recursos superaram os R$ 112,9 bilhões de 2014, último ano do ciclo de ouro do setor imobiliário. O ano passado começou com R$ 7,1 bilhões em financiamentos imobiliários, em janeiro, e encerrou com R$ 17,4 bilhões, em dezembro.
— A taxa Selic é juro de curto prazo, o crédito imobiliário é de longo prazo. No momento em que você tem a manutenção da taxa Selic, durante vários meses, em um patamar de 2%, o banco se sente mais seguro de reduzir a taxa do crédito imobiliário. Isso consequentemente traz impacto positivo para o mercado. O mercado é muito sensível ao crédito imobiliário. É um ciclo virtuoso — afirma o presidente da Ademi.
O número de unidades financiadas também deu um salto: de 27,8 mil em janeiro para 55,9 mil em dezembro, somando 426,7 mil unidades financiadas em 2020.
— O aquecimento do crédito imobiliário é impulsionado pela redução na taxa de juros, claro, mas também por ter mais gente buscando. É natural que haja uma disputa dos bancos, então mesmo durante a pandemia os bancos reduziram taxa, deram carência, estimularam as pessoas a pegarem crédito imobiliário, o que é nitidamente comportamento de um mercado aquecido. Em se mantendo essa política de taxas de juros baixa, vamos assistir à consolidação da retomada do mercado — diz Hermolin.