(Estado de S.Paulo – Economia – 13/10/2020)
Eduardo Geraque
Com as ferramentas disponíveis no século 21, o urbanismo e a arquitetura podem contribuir muito para o desenvolvimento das cidades modernas, desde que o poder público não insista em ser protagonista dessa evolução. A tônica do debate sobre a importância da arquitetura para o mercado imobiliário, durante o Summit Imobiliário 2020, indica que as esferas governamentais precisam desempenhar um outro papel, com menos amarras.
“Somos sócios em algo maior, que é a cidade de São Paulo. O poder público não tem de ser protagonista, mas tem de buscar equilibrar as necessidades da sociedade, dos empresários e dos acadêmicos” diz Otávio Zarvos, fundador e presidente da Idea!Zarvos, incorporadora conhecida por projetos que melhoram a qualidade de vida dos clientes e do entorno do imóvel.
Segundo o incorporador, administrador de empresas por formação, o fato de São Paulo ser uma megalópole há pouco tempo em termos históricos, significa que existe espaço para todos pensarem em melhorar a cidade. “Sou otimista, mas uma postura passiva não vai nos levar a nada. Precisamos de organização dos recursos para construir alguma coisa”, afirma.
Segundo ele, por exemplo, em regiões como a Berrini, na zona sul da capital, onde ocorreu o evento que seguiu todas os protocolos para proteção dos participantes, uma outra cidade poderia ter sido pensada. “Aqui não faltou infraestrutura nem recursos econômicos. Mas faltou o bairro ser pensado de uma outra forma”, afirma.
Olhar para todas as escalas da cidade também é fundamental, avalia o presidente da Magik JC Empreendimentos Imobiliários, André Czitrom. “Muito mais relevante do que a arquitetura é o urbanismo. Temos de pensar em bons projetos para a rua, para o bairro e para a cidade”, afirma o executivo, que também administra empreendimentos no centro da cidade de São Paulo, voltado para população de baixa renda.
Planos
Ele diz que um dos equívocos da cidade, nos últimos anos, vem sendo o de sempre pensar em planos, que seguem escalas muito grandes. “No caso específico do centro de São Paulo, precisamos ir ponto a ponto e atacá-los. Não existe, por exemplo, uma legislação específica para os bens tombados.”
Sem poder atuar de forma descomplicada em projetos de retrofit, por exemplo, oportunidades são perdidas e o afastamento do empreendedor passa a ser mais frequente, diz o empresário. “Em Portugal, por exemplo, apenas as fachadas das áreas tombadas precisam ser mantidas. Dentro, pode mudar tudo. Com essa autonomia, você aumenta o empreendedorismo”, diz Czitrom.
Também presente à discussão, Flavio Amary, secretário de Estado da Habitação de São Paulo e ex-presidente do Secovi-SP, concordou com a tese apresentada por alguns representantes do setor privado. Segundo ele, o papel do Estado não deve ser de interferência, mas o de ser um facilitador. “É importante deixar as coisas andarem.”
O caso da PPP da Luz, por exemplo, que se arrasta no centro da capital sem apresentar grandes resultados urbanísticos, é um dos caminhos que não devem ser seguidos, segundo o secretário. “Precisamos levar vida para o centro, mas estamos no caminho inverso”, disse ele. “O que não significa que não temos também de ser persistentes para mudar esse quadro.
3 perguntas para Ricardo Birmann, da Urbanizadora Paranoazinho
O sr. é contra o projeto de Brasília?
Tenho grande admiração pela obra do Niemeyer, arquiteto de maior expressão do Brasil. O problema do modernismo, que produziu grandes obras, é menos na arquitetura e mais no urbanismo. Apesar de que devemos ter o cuidado de não fazer uma crítica anacrônica, baseada em valores do século 21. No século 20 foi preciso enfrentar a superurbanização das cidades, que passaram a ser protagonistas pela primeira vez. Os modernistas deram soluções baseadas nas ideias deles. Havia uma visão antiurbana, que o centro era algo sujo, poluído e perigoso. Hoje, temos muitas críticas ao carro, por ser um meio de transporte ineficiente do ponto de vista energético. Algo que não ocorria naquela época. Pelo contrário, estava se popularizando. O fenômeno dos subúrbios americanos ilustra bem isso. Eram as ferramentas que se tinham na época. Brasília é fruto disso. A USP, em São Paulo, também.
Essas ideias não servem mais para as cidades do século 21?
O Brasil precisa superar certas questões e não tomar como verdade aquelas premissas de um século atrás. O adensamento é uma ferramenta fundamental, talvez a principal para gerar sustentabilidade não apenas de utilização do meio ambiente, mas para evitar o espalhamento das cidades. Adensar as cidades é uma oportunidade para criar mobilidade social, ambientes urbanos diversos e inclusivos.
A regulação engessa o desenvolvimento urbano?
Esse debate não é filosófico. É uma questão empírica. Como se atende à moradia da baixa renda? A maioria responderia com o Minha Casa Minha Vida. Isso é uma parte. A outra, muito maior, é o mercado informal. Existe demanda por moradia popular, mas as pessoas estão tendo de recorrer ao mercado ilegal para ter acesso à moradia. Por que o mercado formal não consegue ofertar? Porque muitas vezes o custo regulatório para aprovar o empreendimento é maior do que o poder aquisitivo da população.