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Prefeitura e mercado imobiliário miram a favela

02/07/2018 / Categorias Mercado imobiliário

A prefeitura quer mudar radicalmente a feição da cidade. Para isso, enviou à Câmara municipal quatro projetos de lei complementar. O objetivo é alterar o Código de Obras (PLC 43/2017), a Lei de Uso e Ocupação do Solo (PLC 57/2018), a Lei de Parcelamento de Solo (PLC 56/2018) e o Código de Licenciamento e Fiscalização (PLC 55/2018).  Isso quer dizer o quê? Vem muita polêmica por aí. Uma certa é relacionada ao Artigo 11 do PLC 43. Ele diz o seguinte: “A média da área privativa de todas as unidades de cada edificação ou cada lote, excluindo-se as varandas, deverá ser de, no mínimo, quarenta e dois metros quadrados, em todo o território do município”.  Ou seja, imagina-se um prédio com seis unidades. Se este PLC for aprovado, tal edifício poderá ter, por exemplo, três apartamentos de 10, 20 e 30 metros quadrados; e outros três de 70, 68 e 54 metros quadrados. O importante é que, na média, a quantidade de metros quadrados seja 42. O xis da celeuma, contudo, é a justificativa de Luiz Gabriel Denadai, coordenador geral de Planejamentos e Projetos da Secretaria municipal de Urbanismo. “Assim, os prédios a serem construídos vão ter um maior número de apartamentos com tamanhos menores e bem mais em conta. Isso pode induzir famílias a trocar uma habitação informal por outra formal. Creio que o PLC não só vai diminuir o potencial de crescimento das favelas como também ajudará a torná-las menos densas”.

Coordenador de Políticas Urbanas do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU-RJ), Lucas Fauhaber diz que a declaração de Denadai representa um retrocesso em relação às políticas para as favelas. “Em vez de se garantir o direito à moradia digna por meio da segurança de posse e de intervenções de urbanização, o discurso volta a colocar a favela como o grande problema,  desconsiderando que favela é cidade”.

Denadai se baseia nas teorias do economista peruano Hernando de Soto, que vincula o título de propriedade ao desenvolvimento econômico das famílias. “A segurança de moradia traz crédito e mais estabilidade às famílias”, diz ele. Fauhaber também faz um contraponto a essa linha de raciocínio. “A solução da questão habitacional não passa pelas leis de mercado. Esta redução da área mínima proposta pela prefeitura significa o rebaixamento da qualidade da moradia. As necessidades habitacionais de uma família de baixa renda, seja qual for seu tamanho, não podem ficar submetidas à capacidade delas de adquirir uma mercadoria imobiliária”.

Arquiteto que ficou à frente do Programa de Aceleração de Crescimento da Rocinha (PAC) na Favela da Rocinha, Luiz Carlos Toledo não concorda que uma possível mudança no Código de Obras ajudará a desadensar as favelas. “Identifico uma demanda para apartamentos menores. Há casais cujos filhos já estão criados ou jovens inciando a carreira que se mudariam para um desses. Mas não me venha com a conversa de que haverá um deslocamento de famílias das favelas para apartamentos pequenos.”, diz Toledo, acentuando que a discussão dos vazios urbanos no Rio precisa ser inserido como forma de combater o déficit habitacional.

Presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi), Claudio Hermolin concorda com Denadai. Para ele, o deslocamento de famílias das favelas para os prédios de imóveis diminutos ofertados pelo mercado ocorrerá sobretudo em áreas com maior infraestrutura, como Ipanema, Copacabana, na Zona Sul, e a Grande Tijuca, na Zona Norte. “Há imensa quantidade de quitinetes em favelas. Isso pode ser visto na Rocinha, no Vidigal e no Santa Marta, na Zona Sul, e do Borel, na Zona Norte. Tenho certeza de que a mudança no Código desadensará essas comunidades”. Para ele, “se o mercado imobiliário disponibilizar pequenos apartamentos no entorno do Borel, muitas famílias das favelas vão comprar esses imóveis”.  Quem mora em favela, diz ele, quer se livrar da insegurança de moradia. “As pessoas das favelas não têm conta de luz, não pagam condomínio. Morando em um apartamento comprado através de um financiamento e por um preço mais acessível, eles vão passar a existir para a sociedade”.  Hermolin diz que, não por acaso, um dos poucos segmentos imobiliários a resistir à crise foi o vinculado ao programa do governo federal Minha Casa, Minha Vida (MCMV).

Professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Adauto Cardoso diz que usar o MCMV como argumento é uma impropriedade. “Houve subsídios do governo federal não só na faixa de zero a três salários mínimos. Na faixa entre três e seis, houve subsídios em torno de R$ 20 mil reais e juros mais baixos que jamais serão praticados pelo mercado imobiliário em áreas com preços de terrenos mais altos. No MCMV, os conjuntos habitacionais foram construídos muitas vezes com 500 unidades, e esses conjuntos ainda eram construídos com cinco um do lado do outro, com a mesma construtora usando o mesmo canteiro de obras, diminuindo, assim, os custos de construção. E isso em terrenos mais baratos na Zona Oeste”. Quanto à expectativa de Hermolin de vendas de imóveis com tamanhos inferiores a 42 metros quadrados em áreas dotadas de infraestrutura, Cardoso observa outra inexatidão. “Um imóvel posto à venda no entorno de uma comunidade em áreas mais valorizadas pelo mercado ficará além das possibilidades do morador de favelas, porque o preço do terreno nesses lugares é muito superior aos da Zona Oeste”. A maior parte dos moradores de favela, acrescenta o professor, tem dificuldade em acessar o mercado formal por não oferecer as garantias exigidas para reduzir os riscos do financiamento. Pedro da Luz, presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil no Rio, vai na mesma direção. “O sistema financeiro esquece uma parte do país e não dá crédito com juros baixos. A ampliação de oferta do mercado imobiliário não resolverá esse problema”, diz da Luz.

Cardoso  vê a prefeitura preferir erradicar favelas a melhorar as condições de vida nas comunidades. “A prefeitura já apresentou um projeto para a Favela de Rio das Pedras, na Zona Oeste, em que se percebeu a vontade de remover”. 

A falta de transparência da prefeitura sobre o tema, ao menos, é cristalina.

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