(O Globo – Notícias – 28/10/2019)
Luiz Ernesto Magalhães
O prefeito Marcelo Crivella enviou à Câmara Municipal um projeto de lei que facilita construir casas e abrir ruas de circulação interna nas encostas de toda a cidade até o limite das áreas de conservação ambiental . O pacote de mudanças urbanísticas também abre caminho para a construção de pequenos apartamentos na Zona Sul e na Barra e a legalização de boa parte dos loteamentos de classe média construídos irregularmente na Zona Oeste . Um dos artigos do Projeto Lei Complementar 141/2019 autoriza ainda que clubes destinem até 20% de suas áreas para outros negócios, o que poderia permitir, por exemplo, shoppings e empreendimentos residencias em parte do terreno desses espaços que hoje são destinados apenas a atividades esportivas e culturais.
O texto começou a tramitar na segunda-feira passada. Apenas quatro dias depois, já tinha recebido parecer favorável na maioria das comissões. Mas, fora da Câmara , a proposta divide opiniões. O mercado imobiliário aprova a iniciativa por acreditar que vai ativar a economia e, ao flexibilizar as construções nas encostas, ajudará a conter a favelização. Por sua vez, urbanistas criticam. Eles argumentam que, desde a década de 1970, essas áreas mais íngremes da cidade são protegidas por lei para reduzir os riscos de deslizamentos. Embora a zona de preservação ambiental comece a partir da cota cem (cem metros acima do nível do mar), a legislação em vigor só libera construções, em média, até a cota 60. O espaço até a cota cem é tratado como “zona de amortecimento”.
‘Desplanejamento’ - O arquiteto Washington Fajardo chamou o pacote de “desplanejamento urbano”. Na opinião dele, a proposta é pura especulação imobiliária e trará impacto negativo principalmente para a Zona Sul, por causa da regra para as encostas:
— O que a prefeitura deveria fazer é o oposto: reflorestar as encostas, além de criar incentivos para ocupar a Zona Norte e desenvolver a Zona Portuária da cidade. A sociedade precisa ficar atenta. Se essa proposta passar, o impacto urbanístico será irreversível.
Permite abrir ruas internas em encostas até a cota cem (cem metros acima do nível do mar)— exceto em regiões industriais —, no limite do início das áreas consideradas de preservação ambiental
Permite a construção de aglomerados de casas nas encostas até a cota cem. A quantidade de unidades depende da área. Em cinco mil metros quadrados, por exemplo, poderiam ser construídas até 14 casas
Na Zona Sul e na Barra, as unidades de um prédio devem ter, em média, 35 metros quadrados. Isso significa que um apartamento pode ter um tamanho menor, desde que outro seja maior para compensar
Como regra, a cota é de 60 metros. Mas há bairros com mais ou menos restrições. Em Laranjeiras, só são permitidas construções até a cota 50
Em geral, por restrições urbanísticas, em encostas, cabe uma ou duas casas num lote, que costuma ser grande
Todas as unidades devem ter, no mínimo, 35 metros quadrados
Áreas privativas - Permite que até 20% da área dos clubes possam ter outra destinação. Um shopping, por exemplo, pode ser construído no terreno
Trata-se de uma espécie de condomínio totalmente privado. Esse dispositivo abre brecha para a legalização de condomínios construídos sem licença em bairros como Vargem Grande e Vargem Pequena
Proprietários de imóveis com mais de três andares poderão legalizar um andar extra com área equivalente a até 70% do pavimento inferior, mediante o pagamento de taxas à prefeitura
Só são permitidos loteamentos em que as ruas devem ser públicas. Ao lotear, parte da área tem que ser doada à prefeitura para construção de praças ou escolas, por exemplo
A área para o andar extra é de, no máximo, 50% do pavimento inferior
Os imóveis só podem ser usados para atividades de lazer
Integrante do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), Lucas Faulhaber diz que o momento é inapropriado para qualquer alteração profunda nas regras urbanísticas. Ele lembrou que, nas próximas semanas, a prefeitura vai começar a discutir com a sociedade civil as regras do Plano Diretor da cidade, que em 2020 fará dez anos e deve ser revisto.
— A proposta é genérica demais. A prefeitura sequer apresentou mapas que detalhassem quais seriam as áreas mais adensadas — disse.
Por outro lado, o presidente da Associação de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi), Claudio Hermolin, elogiou as mudanças:
— Em qualquer lugar do mundo, as regras são flexíveis onde a vista é privilegiada. Precisamos encarar a realidade. Construções formais ajudam a preservar as encostas. A alternativa é o risco de favelização. Veja o que está acontecendo agora no Itanhangá.
O empresário Henrique Blecher, do setor imobiliário, concorda:
— O mercado imobiliário induz o desenvolvimento e vai construir respeitando restrições ambientais.
Um outro artigo do projeto ressuscitou uma iniciativa da prefeitura que foi rejeitada este ano pelos vereadores durante a discussão do novo Código de Obras. Voltou à Câmara a proposta que elimina a área mínima de apartamentos na Zona Sul e na Barra, atualmente fixada em 35 metros quadrados. Passa a valer uma regra de 35 metros quadrados em média. Sendo assim, num prédio pode ter uma unidade de 20 metros quadrados, desde que haja outra de 50.
Regras genéricas - Os puxadinhos em prédios com mais de três andares também poderão ser maiores. O texto enviado por Crivella, se aprovado, ainda vai permitir a legalização de alguns condomínios irregulares, já que dispensa parte das exigências para o licenciamento de loteamentos. A ideia é criar uma nova espécie de condomínio, sem necessidade de qualquer área pública em seu interior, como é exigido hoje. O projeto não abre mão, no entanto, do Registro Geral de Imóveis. Esse artigo retoma a discussão que surgiu com a lei do ex-vereador (hoje deputado federal) Chiquinho Brazão (Avante), de 2015, que tinha brechas para regularizar empreendimentos construídos por grileiros. A regra poderia favorecer ocupações de iniciativa de milicianos, conforme denúncia do Ministério Público. A lei foi julgada inconstitucional em setembro.
Entre os vereadores contrários ao projeto está Fernando William (PDT). Ele afirma que a proposta ignora as peculiaridades dos bairros ao criar regras que valem para toda a cidade:
— Adaptar regras à realidade está correto, mas a legislação não pode ser genérica, porque vira um “liberou geral”. Sem contar que os proprietários terão seus terrenos valorizados sem qualquer contrapartida financeira para a prefeitura.
Em nota, a Secretaria de Urbanismo alegou, sem citar nomes, que a proposta surgiu de reuniões com setores envolvidos com “o licenciamento e o desenvolvimento” da cidade. Argumentou ainda que o projeto não prevê novas ruas públicas, mas “vias internas” em lotes particulares.