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Mercado em crise e disputas judiciais dificultam venda de imóveis do estado

02/05/2018 / Categorias Mercado imobiliário

RIO - O governo estadual vem enfrentando dificuldades para cumprir uma meta estabelecida no Plano de Recuperação Fiscal, firmado oito meses atrás com a União: arrecadar, até 2020, R$ 320 milhões com a venda de 64 imóveis. O dinheiro reduziria o rombo do Rioprevidência, estimado em R$ 12 bilhões. A Secretaria de Fazenda e Planejamento reconhece que a tarefa é árdua, já que boa parte dos bens está envolvida em disputas judiciais. E, para piorar, o mercado imobiliário passa por um período de retração — não é fácil encontrar quem possa comprar à vista (uma exigência que consta do acordo) um prédio inteiro, um grande terreno ou mesmo um palácio.

De acordo com o plano traçado por autoridades estaduais e federais, o Rio deveria ter arrecadado, entre setembro e dezembro de 2017, R$ 20 milhões por meio da venda de imóveis. Negociou apenas dois, faturando R$ 4 milhões. E 15 leilões que estavam programados para os primeiros meses deste ano acabaram sendo suspensos por determinação da Justiça.

— Realmente, o mercado imobiliário atravessa um momento difícil. No entanto, o cenário delicado não justifica que imóveis do estado fiquem empacados. O problema maior pode estar nas questões jurídicas. Uma simples pendência pode inviabilizar uma negociação, o imóvel precisa estar livre para ser vendido — destaca Rubem Vasconcelos, presidente da Patrimóvel, uma das maiores imobiliárias do país, acrescentando que acha complexo estabelecer uma meta de arrecadação em tempos de instabilidade econômica. — Uma vez que o estado decide vender, vai encontrar um preço. Mas talvez não seja o esperado, o desejado.

Vai precisar de um desconto grande' - Vasconcelos cita como exemplo um dos maiores imóveis que o estado quer vender: o Palácio de Brocoió. Em junho de 2016, quando o governador Luiz Fernando Pezão estava de licença médica, passando por um tratamento contra um câncer, seu substituto, Francisco Dornelles, anunciou a intenção de leiloar a propriedade. Localizado na ilha de mesmo nome (vizinha a Paquetá), de 200 mil metros quadrados, o palácio foi construído para servir de residência de verão dos governadores. Passados quase dois anos, o imóvel continua com o estado, que, para mantê-lo, gasta R$ 180 mil por ano.

— Nesse caso, se quiser mesmo vendê-lo, o estado vai precisar dar um desconto grande no preço — diz Vasconcelos, que, assim como o estado, prefere não estimar o valor de mercado do palácio.

Ao longo de todo o ano passado, a arrecadação do estado com a venda de imóveis chegou a R$ 79,4 milhões, mas quase 95% deste total (aproximadamente R$ 75 milhões) foram obtidos até agosto, antes do Plano de Recuperação Fiscal entrar em vigor. Em relação a 2018, está prevista a comercialização de 40 propriedades, avaliadas em R$ 130 milhões. Quinze leilões chegaram a ser marcados. Porém, este ano, nenhuma foi vendida.

‘Quase 95% da arrecadação com a venda de imóveis no ano passado foram obtidos até agosto, antes do Plano de Recuperação Fiscal entrar em vigor’

Por decisão judicial, foi suspensa, na semana passada, a venda de imóveis que iriam amanhã a leilão. Seriam oferecidos um terreno de 336 metros quadrados no bairro Vinte e Cinco de Agosto, em Duque de Caxias, e um galpão de 354 metros quadrados em São Cristóvão.

Um outro imóvel que deveria ser vendido é o Edifício Riqueza, na Praça Tiradentes, no Centro. Na verdade, parte do prédio está em ruínas. Era nesse endereço que funcionava o restaurante Filé Carioca, onde um vazamento de gás provocou uma explosão que deixou três mortos e 17 feridos, em outubro de 2011. O estabelecimento armazenava cilindros irregularmente e funcionava sem licença do Corpo de Bombeiros. Segundo o governo do estado, uma liminar impediu a negociação, e uma das razões é um laudo encomendado no ano passado pelo próprio Rioprevidência a uma consultoria privada. “O imóvel não tem mais condições de ocupação, conforme pudemos constatar na ocasião da vistoria. A propriedade não vem recebendo manutenção”, diz um trecho do documento, que, apesar do nome do edifício, classifica como baixo seu valor de mercado.

Mas a lista de imóveis que o estado prometeu vender para aliviar o rombo do Rioprevidência tem endereços valorizados. Um deles fica na Avenida Ayrton Senna, na Barra: é o terreno onde, no fim da década de 1980, passou a funcionar o Mercado Produtor, que, em seu auge, chegou a contar com 111 restaurantes e lojas. A desocupação do espaço virou um imbróglio judicial em 2016, quando o governo anunciou que queria vendê-lo. O Rioprevidência entrou com mais de 40 ações de reintegração de posse contra comerciantes. Em março de 2017, parte deles se transferiu para o shopping Uptown, também na Ayrton Senna. No entanto, isso não representou o início de uma solução para o impasse.

A Câmara de Vereadores aprovou um projeto de lei e tombou, “por interesse histórico e cultural”, o Mercado Produtor. A decisão acabou sendo questionada pela prefeitura. O argumento do município é que a Casa não tem competência para propor leis de preservação de imóveis. Enquanto a situação não é resolvida, pelo menos 15 comerciantes permanecem no local. Um deles é João Carlos da Silva Cardoso, de 64 anos, proprietário do Bar do Trabalhador.

— Sou um dos fundadores do Mercado Produtor. Fazia parte de um grupo de ambulantes que tinha ponto no antigo supermercado Freeway. Toda hora tinha que fugir do rapa. Um dia, o então prefeito Saturnino Braga decidiu instalar a gente na Ayrton Senna. Ninguém nunca disse que, em algum momento, teríamos que sair do terreno — argumenta João Carlos.

‘Ninguém nunca disse que, em algum momento, teríamos que sair do terreno’

João Carlos, de 64 anos - Inicialmente, o espaço era administrado pelo Departamento de Estradas e Rodagem (DER), que cobrava aluguel dos comerciantes. Em 2000, a área foi transferida para o Rioprevidência. Quando o Palácio Guanabara anunciou que pretendia vender o imóvel, 46 comerciantes estavam inadimplentes com o aluguel.

O estado tem ainda imóveis em Jacarepaguá, em Campo Grande, na Tijuca e em Laranjeiras, entre outros bairros. No Centro, é proprietário de 51, incluindo lojas, salas comerciais e terrenos. Há ainda imóveis em Araruama, Cordeiro, Duque de Caxias, Niterói, Friburgo e São Gonçalo, além de propriedades ao longo da Avenida Brasil.

— A venda dos imóveis está, de fato, atrasada — reconhece o secretário estadual de Fazenda e Planejamento, Luiz Carlos Fernando Gomes, que, no entanto, afirma haver medidas estruturantes mais importantes firmadas no Plano de Recuperação Fiscal, como aumento de tributos e corte de despesas.

Em nota, o Rioprevidência também admite dificuldades: “O maior desafio, atualmente, não é exclusivamente do ponto de vista legal, mas, sim, do ponto de vista econômico, enfrentado pelo setor imobiliário do estado”. O fundo também destaca que análises do Tribunal de Contas do Estado (TCE) sobre os processos de venda e decisões judiciais pesam no plano de negociação dos imóveis.

O economista Raul Velloso diz que a meta de venda de 64 imóveis até 2020 não é um dos principais pontos do Plano de Recuperação Fiscal, mas, mesmo que o estado não sofra sanções por conta de um eventual descumprimento desse item, precisa se organizar e fazer sua parte:

— Se esse assunto vem sendo conduzido como algo de efeito rápido, é um equívoco. O importante, agora, é regularizar a situação dos imóveis para que, em algum momento, sejam vendidos. Não vejo problema em tratar essa meta como secundária desde que o estado esteja empenhado em reduzir o rombo da previdência com a negociação desses e de outros ativos.

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