(Valor Econômico – Empresas – 21/08/2019)
Talita Moreira e Flávia Furlan
O governo colocou em marcha sua principal aposta para estimular o crédito imobiliário, considerado aquém de seu potencial no Brasil. Em solenidade no Palácio do Planalto, a Caixa anunciou linhas de financiamento habitacional corrigido pelo IPCA — modalidade que vai incluir mais gente no mercado, mas impõe um novo perfil de risco ao setor.
O banco estatal vai oferecer taxas que vão de IPCA mais 2,95% a 4,95% ao ano. Considerando a inflação em 12 meses até julho, a opção mais cara estaria em 8,17% ao ano — abaixo, portanto, da mínima de 8,5% ao ano mais TR (0%) praticada atualmente pela Caixa.
Na cerimônia, o presidente, Jair Bolsonaro, afirmou que a Caixa também baixou os juros do cheque especial e que os bancos terão de acompanhá-la. “Ou eles vêm atrás ou os clientes da Caixa vão aumentar, e muito”, disse.
Grandes bancos privados estudam oferecer linhas atreladas ao IPCA, mas ainda veem a modalidade com ceticismo, apurou o Valor. De um lado, enxergam no modelo uma forma de atrair mais clientes. De outro, temem que uma eventual disparada de preços leve ao aumento do custo e, consequentemente, da inadimplência.
O receio se baseia no fato de que, embora o Brasil esteja com a inflação baixa — de 3,22% nos 12 meses até julho —, o país tem um histórico de inflação alta e houve um pico recente. Em 2015, o IPCA foi de 10,67%. Os contratos de crédito imobiliário são longos, de até 30 anos. Atravessam, portanto, diversos governos. “Se tiver descontrole inflacionário, afeta a capacidade de pagamento do cliente”, diz um executivo de banco.
Apesar disso, apurou o Valor, Bradesco, Itaú Unibanco e Santander preparam seus sistemas para lançar linhas com IPCA, que vão coexistir com as atreladas à TR.
A Taxa Referencial é baseada em uma média ponderada de CDBs sobre a qual se aplica um redutor. Tem um componente discricionário, pois depende da política econômica do momento — nos últimos anos, a TR está zerada.
“Queremos ter todas as alternativas para os clientes. Mas, no caso do IPCA, precisamos desenvolver instrumentos que mitiguem esse risco, para não ter alta da inadimplência”, diz fonte de um banco.
Meses atrás, o presidente do Bradesco, Octavio de Lazari Jr., afirmou que preferia esperar a economia melhorar antes de oferecer correção pelo IPCA. “Não quero correr o risco de fazer um FCVS 2”, disse ele em alusão ao Fundo de Compensação de Variação Salarial, criado nos anos 70 para cobrir saldos remanescentes de financiamentos imobiliários.
Em reunião com analistas nesta terça, o diretor de relações com investidores do Bradesco, Leandro Miranda, disse que o banco pode oferecer a linha, mas não está claro se os clientes vão querer assumir um risco inflacionário de longo prazo. A expectativa de outro executivo do setor, porém, é que, num primeiro momento, haja grande procura por esses contratos, pois as prestações serão mais baratas.
Um público em potencial para o IPCA são as pessoas que ingressam no mercado de trabalho. “Os jovens podem comprar imóvel com parcela mais baixa e arcar com prestações crescentes porque têm a perspectiva de melhorar de renda”, diz uma fonte do setor.
Hoje, no crédito imobiliário, é cobrada uma taxa fixa mais TR e as parcelas costumam ser amortizadas pela tabela SAC, ou seja, decrescem com o tempo. Quando se cobra taxa fixa mais IPCA, a prestação pode subir com a inflação.
Além do risco, o interesse dos bancos é baixo porque hoje o funding da poupança é suficiente. À medida que essa fonte se tornar mais escassa num cenário de juros baixos, a tendência é que as instituições tenham de recorrer mais ao mercado de capitais — com securitização ou emissão de títulos — para financiar a habitação. Aí o IPCA passa a fazer mais sentido.
Procurado, o Itaú afirmou apoiar iniciativas que ajudem a fomentar o mercado. “(...) Estamos estudando suas condições para avaliar qual caminho trará mais benefícios para os clientes”, disse. O Bradesco informou que deve operar a linha atrelada ao IPCA e avalia as condições. O Santander disse que estuda o assunto.
O Banco do Brasil também informou que avalia o assunto. O presidente do BB, Rubem Novaes, esteve na solenidade no Planalto, mas não se pronunciou. Logo em seguida, o banco cortou as taxas dos contratos com TR. A mínima passou a ser de 7,99% ao ano. (Colaborou Juliana Schincariol, do Rio).