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Falta de crédito e burocracia travam o mercado imobiliário

05/01/2018 / Categorias Mercado imobiliário

Uma conta simples demonstra como o setor imobiliário depende das ações do governo. Toda vez que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) corta um ponto percentual nos juros básicos, a renda mínima exigida para financiar um imóvel cai de 6% a 8%. Os especialistas vão ainda mais fundo nessa conta. A queda de um ponto percentual na Selic faz com que 1 milhão de famílias se tornem aptas a conseguir financiamento imobiliáriode até R$ 200 mil. 

Em 2017, os juros básicos caíram de 13% para 7% ao ano. A redução, portanto, tem potencial para incluir 6 milhões de famílias no mercado imobiliário brasileiro. Diante desses números, não seria exagero afirmar que, para destravar o setor, juros baixos são mais importantes do que aumento de salário. O raciocínio vale especialmente para os compradores de baixa renda, que respondem por 70% dos negócios. Para o fim de 2018, analistas projetam a Selic a 6,75% — mais trabalhadores, portanto, poderão sonhar com a casa própria.

O setor viveu nos últimos anos um período sombrio. Inflação e juros altos associados ao desemprego e ao desmoronamento da renda levaram a um ciclo inédito de prejuízos. Dados da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) mostram que o ramo da construção civil fechou no vermelho pelo quarto ano consecutivo. De 2014 para cá, o setor eliminou 1 milhão de postos de trabalho. “Se não tivéssemos andado para trás, o PIB do Brasil em 2017 poderia ter crescido 1,3%”, diz José Carlos Martins, presidente da CBIC. Segundo as mais recentes projeções, o crescimento econômico será de no máximo 1%.

No mercado imobiliário, os indicadores também estão longe do azul. Entre novembro de 2016 e outubro de 2017, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), foram aplicados R$ 45,6 bilhões na compra e construção de imóveis com recursos das cadernetas de poupança, o que representa uma retração de 0,9% ante os 12 meses precedentes. Em novembro, os financiamentos totalizaram R$ 31,5 bilhões, queda de 14,7% ante outubro, e os empréstimos englobaram 13,5 mil unidades, 14,6% menos que no mês anterior.

O que explica números assim? Para ajustar as contas públicas, o governo cortou recursos, o que atingiu em cheio os negócios imobiliários. Em 2017, os investimentos federais caíram para o menor nível em uma década. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) sofreu perdas de 40,9% entre janeiro e outubro, enquanto o Minha Casa Minha Vida, principal programa dedicado à baixa renda, encolheu 61,4%.

Para tirar o pé de freio, o setor espera uma série de regulamentações e medidas administrativas por parte do governo. O principal ponto é destravar o crédito na Caixa, afetado pelas novas regras de Basileia, um acordo internacional que endurece os requisitos para a liberação de empréstimos. Nessa área, o governo já está se mexendo. No segundo dia do ano, a Caixa informou que vai ampliar de 50% para 70% a cota do financiamento de imóveis usados. É fácil entender a importância do banco: a Caixa detém 70% da carteira de crédito habitacional do país. Segundo José Carlos Martins, da CBIC, outro aspecto que precisa ser melhorado é a falta de agilidade do governo. Ele diz que há demora excessiva na contratação dos empreendimentos do programa Minha Casa Minha Vida. Estima-se que, das 20 mil unidades autorizadas em junho, apenas mil foram contratadas até agora.

Sem dúvidas  A burocracia é um estorvo que afeta diversos setores, mas é especialmente nefasta para a atividade imobiliária. Estudo realizado pela Associação Brasileira das Incorporadoras (Abrainc), em parceria com o Movimento Brasil Competitivo e a CBIC, constatou que a burocracia nacional aumenta em 12% o valor final do imóvel para o proprietário. Isso equivale a R$ 18 bilhões por ano – um prejuízo que poderia ser evitado com a melhoria dos processos.

O levantamento identificou 18 grandes entraves para a construção de imóveis. Entre eles estão atraso na aprovação dos projetos pelas prefeituras, falta de padronização dos cartórios e mudanças frequentes de leis que atingem obras já iniciadas, como alterações nos planos diretores e de zoneamento. Para que essas barreiras sejam superadas, a Abrainc diz que é preciso organizar um movimento nacional que envolva todas as esferas públicas, o que ainda está longe de ocorrer no Brasil.

O mercado brasileiro é marcado por particularidades. Não há clareza sobre as regras dos distratos, como são chamados os casos de desistência da compra do imóvel. Na maioria das vezes, as incorporadoras arcam com o prejuízo gerado pela quebra do contrato. Segundo Luiz França, presidente da Abrainc, nos Estados Unidos as normas não dão margens a dúvidas. Se o comprador desiste do negócio, ele perde toda a quantia investida até então. “As consequências de um distrato não são inofensivas”, diz França. “Os distratos prejudicam a saúde financeira das empresas, o próprio comprador e toda a cadeia envolvida no segmento da construção.” 

Apesar das inúmeras mudanças que precisam ser realizadas pelos governos, o cenário é promissor. Com os fundamentos econômicos em ordem, a tendência é o setor virar o jogo já em 2018 e chegar a 2019 em situação bem mais confortável. Entidades, empresários e especialistas apontam diversos fatores para a retomada. A taxa de juros caiu. A poupança voltou. O estoque de imóveis está cada vez menor. A renda aumentou. A confiança dos empresários atingiu o nível mais alto em 3 anos. Se o governo fizer a sua parte, há razões de sobra para acreditar em um futuro repleto de bons negócios.
 
Empresas na onda positiva O mercado em expansão levou os protagonistas do setor a rever seus planos para 2018. A MRV Engenharia, a maior construtora residencial da América Latina, vai retomar os lançamentos voltados à classe média, com imóveis avaliados entre R$ 200 mil e R$ 350 mil. O segmento chegou a representar 26% das vendas da empresa, mas atualmente está em torno de 3%. Segundo Eduardo Fischer, copresidente da construtora, a ideia é que o percentual chegue perto de 5% até o fim do ano.

Para a MRV, a retomada da economia estimulará principalmente consumidores que estão na faixa de renda entre R$ 5 mil e R$ 10 mil, que, enforcados pela crise, não tinham como pensar na casa própria. Trabalhadores que recebem mais do que isso tendem a considerar os investimentos imobiliários mais interessantes. Segundo especialistas, aplicações como os fundos de renda fixa, que devem ser menos rentáveis em 2018, podem ser substituídas pela compra de um imóvel.

A Even Construtora e Incorporada também planeja ampliar os investimentos. Até o terceiro trimestre de 2017 (últimos dados disponíveis), a empresa lançou R$ 688 milhões. Segundo Vinicius Mastrorosa, diretor financeiro e de relações com investidores, a empresa dispõe de terrenos suficientes para lançar mais em 2018 do que em 2017. Outra gigante do setor, a Cyrela tem como prioridade entregar unidades em estoque. A empresa projeta entregas de R$ 4,86 bilhões, o que representará queda de 15,8% em relação a 2016.

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