SÃO PAULO - Uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) coloca em xeque a figura do fiador nos contratos de locação comercial e abre precedente também para os casos de alugueis residenciais. A 1ª Turma do STF decidiu, no início de junho, que não seria possível penhorar o bem da família numa locação comercial por conta de atraso no pagamento do aluguel. Especialistas em direito imobiliário avaliam que a decisão poderá trazer insegurança jurídica a quem está alugando, esfriar ainda mais o mercado de locação - que ainda não se recuperou da crise - e encarecer todo o processo, já que o uso do fiador é a única alternativa que não traz custos para quem aluga um imóvel.
Apesar de novas modalidades de fiança terem surgido no mercado recentemente, o fiador ainda é o mais utilizado nos contratos. Segundo dados da Lello, uma das maiores imobiliárias de São Paulo, o fiador foi a modalidade de garantia de locação usada em 54% dos contratos fechados ano passado. A caução representou 23% e o seguro 15%.
- A lei de locação, para fins de garantia, não faz distinção entre contrato comercial e residencial. Portanto, a decisão (do STF) tende a ser estendida para imóveis residenciais também - avalia o advogado especialista em Direito Imobiliário, Eduardo Macedo Leitão, sócio do escritório Siqueira Castro.
Ele observa que, como a decisão do STF ainda não foi publicada, não é possível analisar a fundamentação utilizada pelos ministros. Mas observa que, quando a possibilidade de penhora do bem foi incluída na lei de locação, em 1991, o objetivo era aquecer o mercado de alugueis e também trazer mais garantia ao locador.
- Há outras opções de garantia, como o seguro e o depósito caução. Mas todas essas outras alternativas, que não o fiador, são onerosas para o locatário. O valor do seguro, por exemplo, varia de duas a três vezes o preço do aluguel, enquanto o depósito caução pode equivaler a três e seis vezes o valor da locação. Quando o locador confia que os mecanismos legais asseguram o pagamento dos aluguéis por parte do locatário ou do fiador, ele pode cobrar aluguéis menores, por ter a segurança do recebimento - explica Macedo Leitão.
Para Alexandre Tavares, advogado e assessor jurídico da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH), a possibilidade de penhora do bem é um mecanismo que aumenta e facilita a locação. Sem esse mecanismo, cria-se um entrave, porque a maioria das locações, é feita com fiador.
- O fiador facilita, pois a pessoa não precisa ter um gasto adicional imediato. E a finalidade da fiança é reduzir o risco e garantir ao locador uma segurança, já que em caso de inadimplência, calote, ou qualquer outro problema, ele tem condições de cobrar outra pessoa - diz Tavares.
Moira Toledo, diretora da vice-presidência de Gestão Patrimonial e Locação do Secovi-SP, o sindicato da Habitação de São Paulo, diz que a decisão é muito preocupante e afeta sobretudo, os pequenos comerciantes.
- A fiança é a única das garantias que é gratuita. É muito utilizada no residencial, mas, em especial, em contratos comerciais de pequeno porte - diz Moira. - Em um momento em que ainda estamos saindo da crise, isso pode ter consequências gravíssimas para um mercado que precisa de incentivos para produzir e não o contrário – complementa.
Segundo Moira, as grandes locações comerciais, como multinacionais, não são impactadas pois utilizam outras garantias, mais complexas, como as bancárias.
O imóvel alvo do processo no STF está localizado no bairro de Campo Belo, na Zona Sul de São Paulo. O leilão ocorreu em 2002, mas o proprietário recorreu, alegando que o bem era impenhorável por ser sua única propriedade, "sendo ele o responsável pelo sustento da família". Os advogados do proprietário argumentaram que cabia a proteção ao direito fundamental da moradia, prevista na lei.
O processo começou a ser julgado em 2014, quando o ministro Dias Toffoli, relator do processo, entendeu que o imóvel poderia ser penhorado. O julgamento foi suspenso, naquele ano, porque o ministro Luís Roberto Barroso pediu vista. Apenas neste mês, Barroso apresentou seu voto, acompanhando o relator, considerando que o STF tem "entendimento pacífico sobre a constitucionalidade da penhora do bem da família do fiador, por débitos decorrentes de contrato de locação residencial". Para o ministro, essa lógica vale também para os contratos de locação comercial na medida que "embora não envolva direito à moradia dos locatários, compreende seu direito à livre iniciativa, que também tem fundamento constitucional".
Mas a ministra Rosa Weber divergiu dos dois ministros, acolhendo parecer do Ministério Público Federal (MPF) que se posicionou contra a penhora. O ministro Marco Aurélio também votou contra a possibilidade de penhora, sendo acompanhando por outros ministros.
A advogada Luciana Carrasco, da BMDP Advogados, entende que a decisão do STF deixa mais frágil a figura do fiador que só tem um imóvel. Para ela, a partir desse caso, as imobiliárias e administradoras de imóveis vão passar a fazer uma análise patrimonial do fiador muito mais criteriosa.
- O fiador que tiver apenas um imóvel e residir nele não será uma boa garantia, o que pode refletir negativamente no mercado - afirma.
Com crise, valor dos alugueis cai 1,5%
Na contramão dos analistas, André Penha, cofundador e diretor de tecnologia da imobiliária Quinto Andar, que dispensa figura do fiador desde 2015, diz que esta “é a pior forma de garantia possível”, tanto para o proprietário, como para o inquilino.
- É um retrato antigo da burocracia, análogo a pegar dinheiro com agiota. Não é sustentável, nem bom para o mercado de hoje. A decisão do STF reforça a modernização do mercado, e vem em linha com a nossa decisão – diz Penha.
No caso da Quinto Andar, em caso de inadimplência do locatário, a empresa cobre os custos ao locador. Segundo André, a decisão do STF dá espaço para que novas soluções como essa sejam colocadas em prática.
Segundo dados do Secovi, o valor médio dos aluguéis, nos últimos 12 meses, teve uma queda de 1,5%, o que mostra que o mercado ainda não se recuperou da crise. Os imóveis com dois quartos foram os que tiveram a maior retração no valor, com queda de preço de 0,8%, enquanto os de um quarto tiveram redução média de 0,5%. Segundo o Secovi, a variação do preço dos alugueis ficou inclusive abaixo do IGP-M (Índice Geral de Preços – Mercado), indicador que normalmente baliza o reajuste dos alugueis, que acumula 5,39% nos últimos 12 meses.