(Valor Econômico – Economia – 05/08/2020)
Raphael Di Cunto e Marcelo Ribeiro
A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira, por 294 votos a 148, requerimento do governo Bolsonaro para retirar de pauta a medida provisória (MP) 946, que extinguiu o fundo do PIS/Pasep e permitiu um saque emergencial de R$ 1045 do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Com a saída da pauta, a proposta perderá a validade.
Para evitar que as pessoas que não tiveram possibilidade de sacar o dinheiro emergencial fiquem sem essa possibilidade (o cronograma iria até o fim do ano, de acordo com o mês de aniversário de cada cotista), os deputados acertaram que será votado no lugar um projeto de lei que permitirá esse saque e as alterações na extinção do PIS/Pasep.
Questionado sobre os efeitos da queda da MP, o Ministério da Economia respondeu que “se a medida perder a eficácia, o Congresso irá editar um Decreto Legislativo disciplinando a produção dos efeitos”. A Caixa esclareceu que “com base no princípio constitucional da segurança jurídica” mantém o cronograma de pagamentos saque emergencial do FGTS.
A MP causou um bate-cabeça no governo. Na Câmara, primeiro foi aceita a possibilidade de que o dinheiro do FGTS fosse usado para complementar a parcela do salário dos trabalhadores que tiveram redução de jornada e de salário pela MP 936. Esse ponto teve aval do governo, mas que, nesta terça-feira, também se manifestou contra essa mudança.
Outro ponto, mais polêmico, foi a inclusão, pelo Senado, da permissão para que os trabalhadores demitidos durante a pandemia pudessem retirar o seu saldo do FGTS, mesmo que tenham optado pelo chamado saque aniversário (uma retirada anual de parte do dinheiro do fundo, mas que proíbe pegar todo o dinheiro em caso de demissão).
O governo alegou nesta terça-feira que a ampliação nos saques provocaria perda substancial no FGTS, o que comprometeria as políticas de financiamento imobiliário e saneamento, que usam o fundo como lastro para empréstimos mais baratos.
“O Senado, de maneira irresponsável, ampliou as retiradas para mais de R$ 120 bilhões. Vamos agir de maneira responsável e impedir o grande dano que o Senado tentou fazer”, disse o vice-líder do governo na Câmara, deputado Aluísio Mendes (PSC-MA).
A tese foi acompanhada pela maioria dos partidos, desde os governistas, como PP, PL e Republicanos, até os “independentes”, como MDB e DEM. Empresários da construção civil se mobilizaram contra a mudança. Apenas os partidos de oposição, o Cidadania e o partido Novo foram a favor da ampliação do saque para os demitidos na crise da covid-19.
Líder do Novo, o deputado Paulo Ganime (RJ) disse que o próprio governo está cogitando, na reforma tributária, reduzir os recursos do FGTS, então “a preocupação não é com o trabalhador”. “Não tem impacto fiscal. Pode ter impacto de caixa, pode ter impacto de médio ou longo prazo na construção civil, mas os trabalhadores que perderam o emprego tem um problema agora e o dinheiro é deles”, afirmou.
Ganime, que costuma apoiar o governo na agenda econômica, também criticou a falta de articulação política. “O que essa MP mostrou é que o governo parece uma colcha de retalhos. Que a gente já via nos bastidores, de não sabermos como áreas do governo iriam se manifestar. Agora saiu do bastidor”, disse. O relator da MP, deputado Marcel van Hattem (Novo-RS), também reclamou, já que o próprio governo tinha dado aval a parte das mudanças.
Apesar das críticas à falta de articulação, a retirada de pauta foi uma vitória do governo, que até pouco tempo atrás tinha dificuldades nesse tipo de votação. O líder do governo na Câmara, deputado Vítor Hugo (PSL-GO), reconheceu que houve um aval no começo, mas depois as contas mostraram que o impacto seria inviável para o fundo. “Quando a gente começa a atingir esse fundo em particular, estamos falando das moradias das pessoas mais carentes do Brasil. O governo federal não pode correr esse risco nesse momento e muito menos as pessoas mais carentes”, afirmou.
O PSDB sugeriu rejeitar as ampliações do Senado, mas manter as mudanças feitas pela Câmara, como autorização do uso do FGTS para compensar parte do salário cortado pela MP 936. No fim, com o acordo para discutir a questão em um projeto de lei a parte, o partido decidiu apoiar a retirada de pauta. A votação desse projeto deve ocorrer na próxima semana e, até a sanção presidencial, devem ficar suspensos os saques emergenciais de R$ 1.045.
Setor elétrico
A retirada de pauta da MP do FGTS acelerou também a derrubada de outra proposta, a MP 950, que isentou os beneficiários da tarifa social de energia elétrica de pagarem a conta de abril a junho.
O relator da MP 950, deputado Léo Moraes (Pode-RO), tentou prorrogar a isenção por mais dois meses, mas o governo trabalhava contra a ampliação, que precisaria ser compensada por um pagamento do Tesouro Nacional às distribuidoras de energia ou repassada para as contas de energia elétrica dos demais consumidores.
A ideia do governo é deixar a MP 950 perder a validade sem ser votada pelo Congresso – o que ocorrerá caso não seja aprovada pelo plenário da Câmara e do Senado nesta quarta-feira. A proposta estava na pauta desta terça-feira, mas não poderá ser votada porque a MP 946 tranca a pauta – mas o governo não quer votar por causa da ampliação do saque do FGTS.