Após mais de dois anos, a Caixa Econômica Federal deverá ser autorizada a retomar a comercialização de suas carteiras de créditos inadimplentes. As vendas foram proibidas em junho de 2016 por decisão cautelar do Tribunal de Contas da União (TCU), que identificou indícios de irregularidades em uma operação de troca de ativos entre o banco e a Emgea, empresa de créditos podres ligada ao Ministério da Fazenda.
Em relatório, o Ministério Público que atua no TCU confirmou que houve problemas na venda de carteiras e afirmou que a operação com a empresa estatal gerou prejuízo aos cofres da Caixa.
Na semana passada, o MP encaminhou seu parecer ao relator do caso, ministro Aroldo Cedraz, que ainda terá que elaborar seu voto. A tendência, no entanto, é que ele acompanhe a posição do procurador Júlio Marcelo de Oliveira e também da área técnica do tribunal, que entendem que, após ajustes feitos pela Caixa, os entraves para a retomada das vendas das carteiras foram superados. Alguns dos problemas apontados em 2016, entretanto, foram confirmados pelo órgão de controle.
Ainda não há prazo para a conclusão do voto do relator nem para a apresentação do processo em plenário. Quando isso acontecer, a medida cautelar que interrompeu a comercialização das carteiras será automaticamente revogada. A venda de portfólios de crédito é irrelevante na composição do resultado, mas vem sendo usada pelos bancos como forma de aumentar a eficiência e melhorar os índices de capitalização.
Segundo o TCU, a área técnica da Caixa “emitiu um parecer com um erro crasso na avaliação do valor justo” das carteiras de crédito a serem cedidas, levando a uma venda subavaliada em 45% ao incluir o imposto de renda e a CLSS (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) como custos de manutenção ou recuperação de ativos.
“Com base nesses pareceres equivocados, o Conselho Diretor da Caixa autorizou a realização dessas transações. Ocorre que os membros de Órgão Colegiado atuaram de forma negligente na apreciação da matéria, em violação ao dever de diligência, imposto legalmente a todos os administradores de empresas, caracterizando um ato ilícito que gerou um dano para a Caixa”, afirma o relatório técnico, obtido pelo Valor.
Mesmo com a liberação da venda das carteiras, dirigentes da Caixa poderão ser responsabilizados pelas irregularidades. Tanto a área técnica quanto a procuradoria do TCU sugerem a instauração de processos separados para apurar as responsabilidades. Entre os 13 funcionários e ex-funcionários citados consta a ex-presidente do banco Miriam Belchior, que também foi ministra do Planejamento no governo Dilma Rousseff.
O MP também recomenda que, em contratos de cessão de carteiras com cláusula de desempenho, a Caixa apresente relatórios periódicos, torne público o modelo de apresentação dos dados e qual a penalidade cabível em caso de descumprimento dessa cláusula.
A operação na qual o TCU detectou problemas envolveu uma troca de ativos entre a Caixa e a Emgea. O órgão constatou indícios de favorecimento do banco à empresa estatal na cessão de um portfólio de empréstimos imobiliários e comerciais de R$ 7,2 bilhões, em 2014. A Caixa recebeu como pagamento créditos do Fundo de Compensações de Variações Salariais (FCVS), títulos de baixa liquidez que precisam de uma novação do Tesouro Nacional para virar dinheiro. Na carteira vendida constavam, inclusive, créditos com garantia real e com pagamento em dia, alegou o tribunal na ocasião.
“Nesse contexto, observa-se que, mesmo após o exercício do contraditório e ampla defesa pela Caixa Econômica Federal, remanescem robustos indícios de que o banco federal irregularmente cedeu créditos para a Emgea e não observou os critérios presentes nos contratos de cessão então firmados. Ademais, identificou-se a dedução irregular de tributos quando da avaliação dos ativos cedidos, dedução esta que fomentou prejuízos aos cofres da instituição financeira”, afirma o relatório assinado.
Quando o TCU entrou em cena e suspendeu novas operações, em meados de 2016, a prática de cessão de carteiras de créditos em atraso era relativamente nova, mas de importância crescente para a Caixa. O banco estatal havia começado a vender portfólios inadimplentes em 2014 e desde então já havia colocado o equivalente a R$ 24,1 bilhões em valor de face, numa tentativa de melhorar seus índices de capital.
A retomada das cessões de empréstimos vencidos da Caixa é aguardada por gestores que atuam com recuperação de crédito. Os bancos têm colocado no mercado cerca de R$ 25 bilhões em créditos inadimplentes por ano. A expectativa é que a instituição estatal tenha um estoque dezenas de bilhões de reais para desovar nos próximos anos.
O banco estatal encerrou junho com R$ 695,3 bilhões em sua carteira de crédito ampliada.
Procurada pela reportagem, a Caixa não quis comentar o assunto. Miriam Belchior afirmou que ainda não foi acionada, que o processo está em andamento e que o banco está prestando todos os esclarecimentos.