RIO — A crise econômica no Rio causa impacto em diversos setores da indústria, dentre eles o mercado imobiliário, um dos que mais enfrentam dificuldades para retomada. Na Barra, uma especificidade faz surgirem efeitos radicais. Em função principalmente da Olimpíada, a região recebeu, nos últimos anos, diversos novos empreendimentos. Mas a alta da oferta hoje se contrapõe à baixa demanda para absorver tantas unidades, especialmente as comerciais. Com isso, há muitos casos em que proprietários oferecem até dois anos de carência, ou seja, de aluguel gratuito, somente para repassarem os custos de condomínio e taxas.
Se a Barra já era o principal destino da expansão imobiliária na cidade, essa tendência foi potencializada no período entre Copa do Mundo e Olimpíada. Mas, até três anos atrás, o ritmo era acompanhado pela demanda, desacelerada com a acentuação da crise econômica no país, que assola o Rio com mais força do que outros estados. No ano passado, construtoras evitaram lançamentos na região, mas ainda assim a vacância de apartamentos e salas comerciais continua grande.
De acordo com os dados do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis (Secovi Rio), no mês passado havia 723 salas comerciais à venda no bairro. Esse número, no mesmo mês de 2014, ou seja, antes de a crise começar, era de 542. Sendo assim, houve aumento de 33%. Enquanto isso, o valor médio do metro quadrado, que há quatro anos era de R$12.233, hoje é de R$ 9.456, uma queda de 22,7%.
Apesar de a oferta de apartamentos residenciais à venda também ter aumentado, e em grande proporção — 73% —, o valor do metro quadrado não teve queda acentuada. A média geral, na Barra da Tijuca, foi de R$ 9.893 para R$ 9.684. Em relação ao aluguel, a variação é semelhante. Em março deste ano, havia 1.048 salas comerciais ofertadas, contra 736 em 2014, e o valor do metro quadrado teve queda de 41,35%. Entre as unidades residenciais, a oferta aumentou 73%, e o valor do metro quadrado caiu 7,16%, mais que para venda.
Isso mostra que a oferta aumentou e o valor caiu em todos os aspectos, mas o segmento que mais sofre é o comercial. Numa rápida pesquisa no site Zap Imóveis, é possível encontrar diversas ofertas de aluguel de lojas na região a preços simbólicos, como R$ 30 ou R$ 10. Os resultados não são um erro do sistema. Abrindo-se alguns anúncios, inclusive, pode-se ler, entre as condições, que na verdade a proposta é de “aluguel zero”. Muitos proprietários, para se livrarem do alto custo de condomínio e IPTU, optam por abrir mão do dinheiro do aluguel, pelo menos nos primeiros 12 ou 24 meses de contrato.
— De um lado, o locatário se beneficia, pois não vai pagar aluguel; do outro, o locador não vai ter o encargo das taxas. Os dois ganham — resume a corretora Andreia Botelho. — Muitos proprietários estão com a corda do pescoço, então eles estão aceitando ouvir todas as propostas. Tive um caso em que a carência era de um ano, mas eu sugeri aumentar para dois. Fica uma oferta praticamente irrecusável para quem vai começar um negócio, pois normalmente o lucro do empreendedor só vem depois de um ano, e ele vai cortar custos no início.
Andreia trabalha por conta própria e tem muitos clientes na Barra. Entre os imóveis comerciais que negocia há unidades nos shoppings Barra Garden e Barra Square, onde tenta encontrar locatário para uma loja desde fevereiro do ano passado. De acordo com ela, as taxas mensais no Barra Square chegam a R$ 3.600 de condomínio e R$ 1.300 de IPTU. Recentemente, a proprietária da loja aceitou conceder dois anos de carência, e está próxima de fechar um acordo.
No Barra Garden, as taxas são um pouco menores, segundo Andreia: R$ 2.200 de condomínio e R$ 750 de IPTU. Por isso, lá as ofertas normalmente são de um ano de carência. Dono da imobiliária que administra o Barra Square e coproprietário do empreendimento, Luiz Antonio Ritzel explica que precisou “fazer ginástica” para os resultados aparecerem.
— Não estamos bombando, mas conseguimos resultados planejados e hoje estamos com 96% de taxa de ocupação. No ano passado, reformamos a praça de alimentação, a fachada e o sistema de ar. Além disso, fazemos eventos de promoção, como shows — explica Ritzel.
Mesmo só começando a receber aluguel depois de muito tempo, os proprietários que optam pela carência não costumam fazer contratos longos com os locatários. O tempo médio é de 30 meses. Ou seja, é possível que ao final ele só tenha garantido seis meses de aluguel.
— Em muitos casos, o proprietário acaba tendo a sensação de estar lucrando só por não precisar desembolsar esse custo de condomínio — explica Leandro Clementino, proprietário da imobiliária Rio Hype Imóveis. — Esse fenômeno do aluguel de graça é impulsionado porque, 80% das vezes, as salas estão no osso, já que as construtoras nem sempre as entregam finalizadas. O proprietário repassa para o inquilino os custos com piso, teto, iluminação e ar-condicionado, que podem chegar a R$ 20 mil, e abre mão do aluguel.
Excesso de ofertas na Abelardo Bueno - Depois de trabalhar como gerente comercial da RJZ Cyrela por oito anos, Clementino abriu sua imobiliária em 2013. Ele diz que começou a ouvir sobre aluguéis gratuitos ao fim da Olimpíada. E a via onde mais se encontram esses casos, afirma, é na Abelardo Bueno, devido à grande oferta de salas comerciais. Antes dos Jogos, houve absorção considerável dos lançamentos, explica, mas a vacância se acentuou rapidamente já a partir do segundo semestre de 2016.
A avenida hoje tem empreendimentos de grandes construtoras, como o Dimension, da Odebrecht; o Universe, da Cyrela; e o One World Office, da Tegra. Para uma sala de 30 metros quadrados, por exemplo, o condomínio custa em média entre R$ 700 e R$ 900; e o aluguel, se não houver carência, é de mil reais, segundo Clementino.
— Em 2013, quando abri a imobiliária, era impossível encontrar oferta de carência, e os aluguéis eram muito mais altos. Eu me lembro que um aluguel que custava R$ 3 mil no Le Monde hoje está em R$ 1.700 — conta Clementino, que prevê uma melhora no bairro em 2018, mas não para a Abelardo Bueno. — Estamos nos mantendo aos trancos e barrancos, mas tenho recebido mais visitas de interessados em salas comerciais. Já na Abelardo Bueno penso que vai demorar no mínimo mais dois anos até atingirmos 50% de ocupação.
Uma proprietária que sofre para alugar imóveis é Aline Cardoso, gerente na Patrimóvel. Nos últimos dois anos e meio, ela considera que o mercado ficou “achatado”. Às vezes, nem o aluguel simbólico é vantajoso, diz.
— Há casos em que o inquilino não paga nem o condomínio nem o IPTU, e a dívida fica com o proprietário — diz Aline, que já sofreu com calote. — Acabei de retomar um apartamento por causa disso. Em um ano, o inquilino não pagou nada. Tive que entrar na Justiça. Ou seja, não só não recebi aluguel como tive custos extras.
Hoje, Aline pede R$1.500 de aluguel por um apartamento mobiliado de dois quartos no Barra Sul. O preço normal, diz, era de R$ 2.200 antes da crise, sendo que na Olimpíada ela chegou a alugá-lo por R$ 2.800. Outra modalidade que se tornou mais frequente foi o aluguel por temporada.
— Tive que baixar o preço em quase 30%, e mesmo assim ouço propostas abaixo desse valor. O mercado de locação está muito prejudicado no Rio. Com o boom da Olimpíada, os investidores acharam que teriam retorno fácil e muita gente comprou imóvel, mas a oferta não foi absorvida — explica Aline, que também enxerga um esboço de melhora. — Já chegamos ao fundo do poço. Pelo menos os preços se estabilizaram, não estão caindo mais. Está muito devagar, mas começando a melhorar. Para vender está um pouco melhor.
A crise faz com que o mercado precise pensar em diferentes soluções para sanar as dificuldades. Com o aumento das “funções” que precisa exercer, o corretor Helladio Blanco define desta forma a mudança no seu trabalho:
— Estamos administrando problema, e não aluguel. E perdendo cada vez mais dinheiro.
Blanco também cita a resistência de clientes a se adequarem à realidade econômica. Ele diz que, hoje, não trabalha com nenhuma oferta de aluguel gratuito, mas que já fez essa sugestão diversas vezes:
— Os preços já estão razoáveis, mas sempre proponho abaixar mais. Eu tento mostrar a necessidade, mas tem gente que fica esperando algum milagre político, como se a situação fosse melhorar da noite para o dia. Apesar dos anúncios, não estamos tendo tanto retorno. A internet é onde consigo mais acordos, mas os clientes mais velhos não compreendem tanto essa possibilidade.
Apesar do contexto desfavorável, muita gente do mercado aposta que a retomada vá começar este ano, primeiro pelos apartamentos residenciais, que estão com absorção melhor do que há dois anos. O maior desafio é, realmente, o segmento comercial. Gerente da imobiliária Sawala, Matheus Pires diz que as vendas e locações estão crescendo, mesmo que devagar.
— A parte de aluguel comercial está aquém do que todo mundo imaginava. Mas acho que 2016 e 2017 foram piores, e o mercado está começando a se reaquecer. O problema é que muitos prédios comerciais concebidos na época do boom, entre 2011 e 2012, só ficaram prontos durante a crise. Como as construtoras têm fluxo de caixa, não ficam tão desesperadas. Os preços mais radicais são oferecidos por proprietários que precisam alugar imóveis de qualquer forma.