(Estado de S.Paulo - Economia - 20/01/2021)
Daniela Amorim
A inflação medida pelo Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M) disparou no ano passado, mas isso não mexeu no preço de aluguéis no Brasil, embora o indicador seja comumente usado como indexador de contratos de locação. Segundo especialistas em inflação da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), diferentes fatores seguraram os reajustes. A queda na renda da população por causa da crise provocada pela pandemia de covid-19, o mercado de trabalho ainda deteriorado e o elevado estoque de imóveis vazios disponíveis levaram a negociações diretas entre inquilinos e proprietários.
Em consequência, o aluguel residencial encerrou 2020 com alta de apenas 2,77%, segundo a inflação oficial no País, apurada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do IBGE. Já o IGP-M avançou 23,14% no ano passado, divulgou a FGV. A taxa acumulada em 12 meses já tinha iniciado 2020 em 7,81%, permanecendo elevada durante todo o ano de 2020.
Teve muita negociação de inquilinos em função da pandemia e da dificuldade financeira que ela representou. O aluguel residencial subiu menos em 2020 do que em 2019”, disse André Almeida, analista do Sistema de Índices de Preços do IBGE.
Em 2019, o aluguel residencial ficou 3,80% mais caro, segundo apurado pelo IPCA, embora o IGP-M tenha encerrado o ano com uma elevação de 7,30%.
A taxa de desemprego no Brasil ficou em 14,3% no trimestre encerrado em outubro de 2020, mostraram os dados mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do IBGE. O País tinha então 14,1 milhões de pessoas atrás de emprego. Em relação ao mesmo período do ano anterior, 9,8 milhões de postos de trabalho foram extintos. A massa de salários em circulação na economia encolheu em R$ 11,721 bilhões em um ano.
Especialista em inflação, o professor Luiz Roberto Cunha, decano do Centro de Ciências Sociais da PUC-Rio, lembra que o IGP-M é muito influenciado pelo câmbio e pelos preços de commodities, como minério de ferro, soja e milho, no mercado internacional. Embora esses fatores pressionem diretamente a inflação no atacado, influenciam pouco os preços ao consumidor. Logo, não deveriam ser usados como referência nos contratos de locação, defendeu ele.
“O mercado de aluguel depende da demanda aquecida ou não. Se a demanda está fraca, e tem um inquilino que está fazendo tudo certo, você faz negociação”, opinou Cunha.
Segundo o Índice de Preços ao Consumidor - Semanal (IPC-S) apurado pela FGV, o aluguel residencial subiu em média 3,22% entre janeiro e dezembro de 2020. Ficou abaixo da inflação de 5,17% acumulada pelo índice no período.
Braz lembrou que os reajustes salariais dos trabalhadores costumam usar como referência índices de preços ao consumidor. Isso faz com que a adoção do IGP-M para reajuste do aluguel prejudique o orçamento de quem aluga.
“Como o IGP-M não indexa salário, ele fica um pouco distante da realidade dos inquilinos”, reconheceu Braz. “O que interessa para o proprietário agora é um inquilino bom pagador, aquele que coloca as contas em dia, que cuida bem do imóvel. Então, muitas vezes o proprietário também abre espaço para negociação para não ficar com o imóvel vazio, tendo que arcar com boa parte dos encargos, seja condomínio, IPTU, e também sem a renda do aluguel. No momento tem havido muito espaço para negociação”, avaliou.
Secovi-SP aponta que 90% dos contratos usam o IGP-M
Em todo o Brasil, 90% dos contratos de locação são regidos pelo IGP-M, de acordo com estimativas do Secovi-SP, sindicato de profissionais do setor imobiliário.
Uma sondagem da entidade entre imobiliárias da capital paulista sobre contratos de locação que utilizam o IGP-M e fizeram aniversário recentemente apontou dificuldades para reajustes. Elas vieram tanto da pandemia quanto do aumento exacerbado do indicador de inflação no último ano. Não foi detectado nenhum padrão de aumento. Prevaleceram as negociações, apontou o Secovi-SP.
O que a gente tem visto é que os proprietários que têm inquilino bom pagador têm preferido negociar e não repassar”, contou Adriano Sartori, vice-presidente de Gestão Patrimonial e Locação do Secovi-SP.
Uma das ferramentas utilizadas em algumas negociações foi a de postergar o reajuste para o ano seguinte, para então verificar se haveria equilíbrio entre o valor de mercado e o valor do contrato. Na sondagem, também foram frequentes as menções a negociações que resultaram em manutenção dos valores; reajustes de 10%; ou reajustes de metade da variação do IGP-M acumulado em 12 meses. Uma fatia menor de respostas apontou aumentos de até 5% ou aplicação integral do reajuste pelo IGP-M.
Sartori defendeu que locadores e inquilinos façam uma pesquisa de unidades habitacionais similares na região do imóvel alugado. Assim podem verificar se o aluguel cobrado está dentro do valor de mercado.
“Ficar com o imóvel vago num momento de pandemia não é desejável”, disse Sartori. Ele ponderou, porém, que há muitos contratos depreciados, firmados quando o País ainda começava a se recuperar da recessão econômica que se estendeu de 2014 a 2016. Isso favoreceria algum repasse previsto em contrato para se aproximar dos valores praticados no mercado atualmente. Nesse caso, ele recomenda que o inquilino aceite o reajuste, para evitar ter que pagar ainda mais num novo contrato de locação.
A última Pesquisa de Valores de Locação Residencial, divulgada mensalmente pelo Secovi-SP, mostrou aumento de 1,71% entre dezembro de 2019 e novembro de 2020 no valor dos contratos de locação residencial na cidade de São Paulo.
De acordo com o portal imobiliário Imovelweb, o preço para alugar um imóvel padrão (de 65 m², dois dormitórios e uma vaga de garagem) na capital paulista foi R$ 2.047 por mês em dezembro. No ano, houve um aumento de 6,7% no preço dos aluguéis na cidade.
No município do Rio de Janeiro, o aluguel de um imóvel padrão com as mesmas características chegava a R$ 1.780 por mês, em média. No ano passado, os preços na capital fluminense tiveram um aumento de 2,8%.