(Folha de S. Paulo – Cotidiano – 26/07/2019)
Thiago Amâncio
Há cinco anos em vigor, o Plano Diretor Estratégico de São Paulo, conjunto de regras que determina como será o crescimento da cidade até 2029, trouxe avanços na produção de moradias para pessoas mais pobres e no incentivo à ocupação de áreas bem servidas pelo sistema de transporte público.
Por outro lado, há uma série de mecanismos previstos que ainda não saíram do papel, como a reestruturação urbanística do entorno da marginal Tietê e o Fundo Municipal de Parques, além disso, o plano corre risco caso se alterem de modo significativo as regras de zoneamento da cidade.
É o que afirma análise feita pelo IAB SP (Instituto dos Arquitetos do Brasil, em São Paulo), que mapeou a aplicação de 50 propostas do PDE (Plano Diretor Estratégico), em diferentes áreas, como habitação, meio ambiente, mobilidade, desenvolvimento econômico e urbano.
Entre as coisas que deram certo desde a aprovação do plano, o instituto aponta as 60 mil novas habitações sociais licenciadas em ZEIS, as zonas especiais de interesse social, como são classificadas as regiões onde se deve dar prioridade à construção de moradias para os mais pobres.
Além disso, o plano trouxe a possibilidade de notificação de imóveis ociosos, que estão vazios ou subutilizados e podem ter o IPTU mais caro caso assim permaneçam. Foram notificadas 1.388 construções da cidade, de acordo com o IAB.
No entanto, as notificações foram praticamente abandonadas a partir da gestão Doria. O secretário de Urbanismo e Licenciamento, Fernando Chucre, diz à Folha que as notificações eram feitas “sem nenhum critério” e que há 36 procedimentos que os proprietários notificados podem acionar, se discordarem da avaliação da prefeitura, o que enseja maior cuidado na aplicação desse instrumento. A prefeitura, agora, tem dado andamento aos processos iniciados em gestões anteriores, diz.
O Plano Diretor propõe uma série de reestruturações urbanas pela cidade, que ainda não entraram em aplicação.
Uma das mais importantes é a do Arco Tietê, plano urbanístico que previa incentivar e expandir áreas de moradia, comércio e indústria ao longo da marginal Tietê. O plano foi apresentado enviado à Câmara no fim da gestão Haddad (2013-2016), mas abandonado pela gestãoDoria (2017-2018).
Chucre afirma que “existe uma crítica por parte da atual gestão, que seria impossível sua discussão pública e implementação porque envolve áreas com características muito diferentes”, mas que a administração vai refazer o projeto e enviá-lo à Câmara até dezembro.
O legislativo precisa aprovar ainda os planos urbanísticos já enviados como projetos de lei, do Arco Pinheiros (enviado neste ano), Jurubatuba (ano passado) e Tamanduateí (enviado em 2016 e até hoje sem conclusão).
Segundo Chucre, todos os planos até o começo do ano que vem estarão na Câmara. “Hoje mesmo [quinta-feira] tive reunião com alguns vereadores, mesmo no recesso, para enfatizar que é importantíssimo que a pauta urbana seja votada no segundo semestre.”
Alguns planos municipais que estavam previstos no PDE nem sequer foram elaborados, como os de Redução de Riscos, Gestão das Áreas Públicas, Arborização Urbana e Desenvolvimento Rural Sustentável. O Plano Municipal de Habitação, enviado para a Câmara, não foi aprovado.
O Fundo Municipal de Parques também não foi feito, o que reduziu a criação de novas áreas verdes. A prefeitura diz que fez estudos e que a regulamentação do fundo está sob análise jurídica, e vai publicar decreto regulamentando-o.
Também estava prevista a criação de planos de ação das subprefeituras, que detalhariam as diretrizes do Plano Diretor em cada região da cidade, que não foram desenvolvidos no prazo estabelecido.
A prefeitura informa que “um grupo de trabalho realiza reuniões periódicas com conselhos municipais, a fim de elaborar informações, objetivos e definição de diretrizes dos planos mencionados” e que essas reuniões começarão a acontecer nas regiões das subprefeituras em agosto.
Presidente do IAB SP, o arquiteto Fernando Tulio afirma que um dos principais desafios da aplicação do Plano Diretor é expandir as ações de modo mais intensivo para as periferias, integrando políticas públicas e recursos em projetos de qualificação desses locais.
Para Nabil Bonduki, que foi relator do Plano Diretor na Câmara Municipal, enquanto era vereador, “cinco anos é um período curto para analisar um plano, que é de longo prazo. E esses cinco anos foram de profunda crise econômica. Muitas das iniciativas exigiam investimento.”
O urbanista Philip Yang, da Urbem, diz que “há no legislador a consciência de que o Plano Diretor necessariamente é um plano genérico. Você não consegue planejar cada esquina, porque cada esquina tem uma necessidade muito particular. Por isso, há ferramentas específicas para detalhar as particularidades de planejamento que cada região precisa.”
O secretário Fernando Chucre considera que o plano “atingiu diversos objetivos, como o adensamento de corredores onde há transporte de média e alta capacidade, aumento de proteção de áreas de preservação. Mas claramente existe a necessidade de ajustes em alguns instrumentos para corrigir distorções que não foram previstas no plano original”.
“Você não consegue numa cidade do tamanho de São Paulo num artigo de três linhas cobrir o grande número de variáveis que existe na aplicação de um instrumento como, por exemplo, a fruição pública [que trata sobre a circulação de pessoas em áreas livres de prédios]”, afirma.
Segundo Fernando Túlio, “todos os avanços do PDE entram em risco se o zoneamento for alterado como está proposto”, afirma ele, citando a proposta de, entre outras coisas, acabar com o limite de altura de construções no miolo dos bairros e liberar a construção de apartamentos com mais vagas de garagem em locais com boa rede de transporte.
“Ao invés de olhar para frente, tenta voltar para o modelo de desenvolvimento urbano do século passado, que liberava geral”, afirma.
Fernando Chucre diz que tudo será feito com consulta da população. “Estamos falando de organizar parâmetros ou avaliar questões que eventualmente estejam inviabilizando a implantação de alguns instrumentos no território. Vamos discutir e colocar de maneira técnica e clara em um projeto de lei, que ainda falta propor, mostrar à sociedade uma minuta, fazer consulta pública e audiência pública geral”.
Já Nabil Bonduki afirma ser contra pontos defendidos pelo setor de construção, como aumentar a verticalização nos meios de bairros, mas “pode ter pequenos ajustes que possam ser feitos, desde que mantidas as regras do Plano Diretor.”
Imóveis ociosos - foram notificados 1.388 imóveis vazios ou subutilizados e aproximadamente 30% passaram a cumprir sua função social; mas notificações caíram a partir de 2017. 392 imóveis tiveram o IPTU mais caro por não darem uso a esses imóveis
Consórcio imobiliário: prefeitura ainda não viabilizou e implementou consórcios previstos com os proprietários de imóveis ociosos, para devolver essas áreas ao mercado
Outorga onerosa do direito de construir: compensação financeira que construtores pagam por erguerem prédios acima de limite permitido; últimos doze meses tiveram a maior arrecadação da série histórica, desde 2004
Habitação social: 60 mil moradias licenciadas em regiões onde se deve dar prioridade à construção de habitação para os mais pobres
Projetos de intervenção urbana: zoneamento de e estruturação de áreas específicas da cidade; há 14 em andamento, 2 arquivados e 26 em prospecção
Arcos de reestruturação urbana: Tamanduateí, Jurubatuba e Pinheiros aguardando aprovação na Câmara Municipal; Tietê foi arquivado, mas prefeitura promete retomar até o fim do ano
Fundo municipal de parques: mecanismo de cofinanciamento entre a prefeitura e a sociedade para criação de parques, que não saiu do papel
Planos municipais: Educação, Saúde, Esportes, Assistência Social, Cultura, Segurança Alimentar, Mobilidade Urbana e Mata Atlântica elaborados e em vigor. Plano de Habitação aguarda aprovação da Câmara. Arborização, Desenvolvimento Rural Sustentável e Gestão de Áreas Públicas ainda não elaborados.