(G1 – Pernambuco – 15/05/2019)
Bruno Grubertt e Wagner Sarmento
Pernambuco está entre os dez estados que menos entregaram os habitacionais prometidos pelo Minha Casa Minha Vida, segundo dados do Ministério da Integração. O maior programa de habitação popular da história do Brasil completou uma década e, das 200.683 moradias contratadas no estado, 136.204 ficaram prontas, o que corresponde a 67,8%.
O número está abaixo da média nacional, que é de 73,4%. Segundo o ministério, 4 milhões de famílias foram beneficiadas, das mais de 5,5 milhões que deveriam ter sido contempladas. Quem ostenta o pior índice é o Distrito Federal, com 42,1%. Foram 63.874 unidades habitacionais prometidas e 26.930 entregues aos moradores.
Os habitacionais abandonados ou atrasados podem ser vistos em Pernambuco inteiro. O conjunto Governador Eduardo Campos, em Vila Claudete, no Cabo de Santo Agostinho, é um exemplo clássico dessa realidade. Prometido para 2.620 famílias, o empreendimento do Minha Casa Minha Vida começou a ser construído em 2014, está praticamente pronto desde 2016, mas nenhuma pessoa mora lá.
As casas de 53 metros quadrados estão vazias e tomadas pelo mato alto. O habitacional está cercado por tapumes e a placa com informações da obra já está apagada. Não é possível ler nada sobre o investimento de R$ 141 milhões que prometia reassentar moradores que viviam nas 27 comunidades no entorno do Complexo de Suape e que ocupavam áreas de preservação ambiental ou da zona industrial.
No terreno onde hoje fica a obra inacabada do conjunto habitacional Governador Eduardo Campos, havia uma cooperativa de reciclagem e pequenos sítios onde oito famílias plantavam e criavam animais. Elas foram retiradas do local e vivem de auxílio-aluguel enquanto aguardam a entrega da casa própria.
É o caso do catador de recicláveis Cristiano Alfredo Correia, 42 anos. Foi indenizado com R$ 2,4 mil, recebe R$ 250 mensais e mora, com a mulher e os dois filhos, em um apartamento alugado em um residencial próximo à futura casa.
“Criava gado, cavalo, galinha... Não tenho mais nada, Hoje vivo apenas como catador. Botaram a gente para fora e ainda não entregaram as casas”, desabafa.
Segundo ele, faltam ainda obras complementares como uma escola, um posto de saúde e também a sede da cooperativa de reciclagem que o Complexo de Suape prometeu erguer para os catadores que atuam na região.
“Precisamos das nossas casinhas. Quando é alugado, você pode sair a qualquer momento. Não existe ter o habitacional pronto e a turma sem entregar. Antes de eu morrer, eu vejo essa chave na minha mão. Tenho fé”, afirma.
A dona de casa Viviane Marques, 34 anos, também aguarda a entrega do conjunto habitacional em Nova Claudete. Ela reside de aluguel com a mãe e dois filhos.
“Fico revoltada. Vai fazer cinco anos e não entregam... Recebo R$ 250 e pago R$ 380 de aluguel. Todo mês é prejuízo. A gente não tem condição”, conta ela, que vive dos recursos de outro programa federal, o Bolsa Família.
O complexo de residências em Vila Claudete integra o Programa Habitacional Suape, que promete moradias para 6,8 mil famílias no entorno do complexo industrial e portuário.
Investimentos do programa - Em uma década, os investimentos no programa Minha Casa Minha Vida em todo o Brasil totalizaram mais de R$ 110 bilhões. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Regional, a dotação inicial disponibilizada pela lei orçamentária anual para este ano é de R$ 4,1 bilhões. O auge do Minha Casa Minha Vida foi em 2015, quando o governo federal investiu mais de R$ 20 bilhões no programa de habitação popular.
Decreto número 9.741, publicado em 29 de março de 2019 pelo Ministério da Economia, reduziu, no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em 27% os limites para empenho e em 39% o teto para pagamento do Ministério do Desenvolvimento Regional.
Preocupado com a possibilidade de interrupção do programa e os prejuízos que poderiam ser causados à população, o ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto, tratou a situação com o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que garantiu a suplementação de R$ 800 milhões para a continuidade do Minha Casa Minha Vida.
"O atendimento das famílias beneficiadas pelo programa é uma prioridade do governo federal”, afirma o ministério, em nota.
Obras invadidas - De acordo com levantamento do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE), na Região Metropolitana do Recife, são 1.008 unidades habitacionais com obras paralisadas na capital, 980 em Olinda e 600 em Jaboatão dos Guararapes.
A promessa de manutenção do programa é a esperança à qual as famílias que ainda não receberam suas moradias se apegam. Em muitos casos, no entanto, esperar cansa. E, diante de obras abandonadas, o desespero e a revolta levam as pessoas a ocupar os imóveis inacabados.
Foi o que aconteceu no conjunto habitacional Cuca Legal 2, em Jardim Brasil 2, Olinda. A construção começou em 2007. Um investimento de mais de R$ 15 milhões. Após atrasos recorrentes, o trabalho foi retomado pela atual administração municipal e os prédios que abrigariam 240 famílias sem-teto deveriam ter ficado prontos no dia 30 de dezembro do ano passado. Não ficaram.
Hoje, o local está ocupado por famílias indignadas com os serviços interrompidos. Elas dividem o ambiente com materiais de construção deixados pela construtora e com o mato alto que denuncia o abandono. Mudaram-se para o habitacional sem água nem energia elétrica. Fizeram ligações irregulares, acostumados que estão com moradias precárias.
O operador de máquinas Leandro José da Silva é um dos coordenadores da ocupação. “A gente não tinha onde morar, não tinha para onde ir. Vimos isso aqui abandonado e viemos. Se é dinheiro público, então é do povo. Não vamos sair daqui. Não vamos para o olho da rua”, frisa. Já há, entretanto, uma decisão judicial de reintegração de posse – ainda não cumprida.
Enquanto isso, a aposentada Sônia Maria de Santana, 70 anos, inscrita no Minha Casa Minha Vida desde 2009 e ocupando um dos apartamentos, aguarda um final feliz. Vivia num barraco de madeira na comunidade do V8, em Olinda, até que precisou sair de casa num dia de chuva forte em que a maré encheu e o canal transbordou.
“Quando voltei, levaram tudo da minha casa. Estava cheia de ladrão e eu não pude fazer nada. Eu só quero uma casa para morar. Botar a cabeça dentro dela e dizer: esse teto aqui é meu”, diz.