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Há risco de faltar material de obras para imóveis, diz líder de associação

23/11/2020 / Categorias Mercado imobiliário , Economia

(UOL – Economia – 23/11/2020)

 

José Carlos Rodrigues Martins, presidente da Cbic, diz que setor imobiliário deve crescer até 10% em 2020

 

A indústria da construção no Brasil deve fechar o ano com crescimento graças ao desempenho do setor imobiliário, diz o presidente da Cbic (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), José Carlos Rodrigues Martins. Em entrevista ao UOL, o executivo que representa 92 sindicatos e associações patronais do setor da construção, presentes nas 27 unidades da Federação, diz que a retomada entretanto pode ser ameaçada por um desabastecimento de fornecedores.

            Enfrentamos um sério problema chamado desabastecimento, com todas as suas consequências. A primeira consequência é o preço. Se tem desabastecimento, o preço pode subir. A segunda consequência é o ritmo da obra, que diminui.

 

Segundo pesquisa da CNI (Confederação Nacional da Indústria) com 1.800 empresas de 27 setores na primeira quinzena de outubro, 68% dos empresários relataram falta de algum material para produção e 82% afirmaram que os preços das matérias-primas subiram em relação ao que havia antes da crise.

Apesar desse obstáculo, o presidente da Cbic diz que o setor da construção deve fechar 2020 com um balanço positivo graças ao segmento imobiliário, formado pelos empreendimentos residenciais e comerciais. Após uma retração de 2% no primeiro semestre, as vendas vêm subindo desde junho, alimentando a geração de emprego no setor, que já soma 140 mil vagas abertas no ano.

"A crise deixou as pessoas mais tempo em casa, e por isso passaram a dar mais valor ao lar. Por isso, resolveram investir em imóvel. Além disso, a taxa de juros está baixa, o que faz do imóvel um ativo real que surge como opção de investimento com potencial de valorização real", disse. Segundo ele, o setor imobiliário deve fechar 2020 com crescimento de 5% a 10% no total de unidades comercializadas.

Já outros segmentos da construção, como o de infraestrutura, seguem em marcha lenta, aguardando a retomada das obras públicas e dos programas de concessões, como no setor de saneamento, disse o executivo.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista ao UOL do presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção.

 

UOL: Como classifica o desempenho do setor da construção em 2020, levando em conta pandemia e retração econômica?

 

José Carlos Rodrigues Martins: Se analisarmos todos os problemas, o ano foi muito positivo. A gente imaginava um declínio, mas vamos acabar o ano com o desempenho positivo. O setor deve fechar 2020 com crescimento de 5% a 10% em relação a 2019.

E nada melhor para ilustrar isso que números de empregos. Estamos com 104 mil trabalhadores a mais durante o ano. O setor fechou mais de 40 mil vagas no primeiro semestre, mas de junho para cá, contratamos mais de 150 mil, chegando a 2,2 milhões de trabalhadores com carteira assinada.

Se não fosse o setor da construção, o PIB do país teria caído ainda mais. Nós só perdemos da agricultura, que não teve problema nenhum. Pelo contrário, eles até se beneficiaram com o dólar.

E importante lembrar que a cadeia do setor imobiliário é grande. A gente impacta 97 setores, antes, durante e depois da obra. Desde os transportes contratados durante a construção até as vendas de outras áreas que a gente incrementa após a entrega das chaves, como o setor de eletrodomésticos, que passa a vender mais quando há lançamentos de imóveis

 

Quais segmentos da construção estão com desempenho mais positivo e por quê?

 

Indiscutivelmente o mercado imobiliário. Nossa leitura é a de que a crise deixou as pessoas mais tempo em casa, e por isso passaram a dar mais valor ao lar. Por isso, resolveram investir em imóvel. Além disso, a taxa de juros está baixa, o que faz do imóvel um ativo real que surge como opção de investimento com potencial de valorização real.

 

O setor ainda tem muito a recuperar?

 

Sim. Já tivemos 3 milhões de trabalhadores com carteira assinada, lá em 2014. Então, tem uma diferença grande ainda a ser recuperada. Para isso, precisamos que outros setores além do imobiliário recuperem o atraso. Estou falando da área de infraestrutura, por exemplo, onde as concessões públicas não andaram e as obras públicas estão muito lentas.

 

Quais fatores têm sido determinantes para o desempenho da construção no setor imobiliário mesmo em ano de crise?

 

No lado da demanda, a reação do público consumidor, que não teve medo durante a crise de assumir a compra de uma casa. E, no lado da oferta, a rapidez com que uma parte das empresas que percebeu isso e se reinventou no mercado digital.

 

Se em fevereiro alguém falasse em um feirão virtual de imóveis, quem acreditaria que alguém pudesse assumir uma compra e um compromisso de 30 anos pela internet?

 

Veja o caso de São Paulo. Desde março, o mercado paulista vendeu 60% do que vendeu em todo o 2º trimestre do ano passado. É menos, mas como estava tudo fechado em 2020, isso quer dizer que todas essas vendas ocorreram pelo meio digital. É um novo canal para o setor.

E o cliente também está maduro para comprar de forma digital, desde a pesquisa até a assinatura digital. Um exemplo de que havia muita burocracia a ser retirada nesse setor.

Olhando os obstáculos, quais foram os maiores desafios do setor em 2020?

Enfrentamos um sério problema chamado desabastecimento, com todas as suas consequências. A primeira consequência é o preço. Se tem desabastecimento, o preço pode subir. A segunda consequência é o ritmo da obra, que diminui, com falta de matérias-primas e produtos.

No primeiro semestre, por exemplo, quando tivemos o pior momento, o setor imobiliário caiu só 2% em vendas, comparando com o primeiro semestre de 2019, para 71,1 mil unidades comercializadas. Mas o volume de lançamentos caiu muito mais, cerca de 44%. Isso aconteceu porque as empresas venderam o que estava pronto, mas tiveram medo de lançar projetos pois não sabiam como seria o pós-crise.

Imaginou-se então que no terceiro trimestre deste ano haveria uma avalanche de lançamentos, para recompor estoques de imóveis e atender à demanda crescente. Até houve aumento de lançamentos, mas menor que o esperado porque apareceu o problema do desabastecimento na cadeia da construção.

Se o construtor tem incerteza sobre a cadeia de fornecedores, ele não sabe quanto vai custar o projeto, já que produtos podem reaparecer mais caros. E a construtora sabe que não dá para repassar aumentos de produtos porque a renda da população não aumentou nem vai aumentar.

Então, se cresce o custo e a receita não acompanha, isso afeta a margem da empresa. E se não tem margem, o setor puxa o freio de mão.

 

Para 2021, qual a expectativa?

 

A expectativa ainda é positiva. Até porque o setor terá de entregar o que já vendeu neste ano em lançamentos. Além disso, conquistas, como as vendas pelo canal digital, vão continuar a ajudar o setor a vender mais. Por outro lado, precisamos remover alguns gargalos para não sofrer a pressão de custos e de abastecimento na cadeia.

Olhando outros segmentos além do imobiliário, é importante a manutenção do marco do saneamento aprovado no Congresso para estimular a construção na infraestrutura. Claro que manter os juros baixos também é importante. Para isso, as reformas precisam andar. No caso da reforma tributária, ela deve simplificar os impostos sem onerar o trabalho. 

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