(Valor Econômico – Empresas – 18/03/2019)
Taís Hirata e Anais Fernandes
Em meio a uma grave crise financeira e institucional, a construtora Gafisa sofreu mais um revés — desta vez, judicial. A empresa foi condenada, em primeira instância, a desembolsar mais de R$ 30 milhões pela construção inadequada de um condomínio, na zona Sul de São Paulo. A companhia ainda poderá recorrer da decisão.
O condomínio, que tem cerca de 160 casas, ficou pronto e começou a receber os primeiros moradores em 2000. Menos de cinco anos depois, porém, indícios de falhas na construção começaram a aparecer: o pavimento das ruas e edificações apresentavam rachaduras, lâmpadas queimavam com frequência e problemas hidráulicos passaram a surgir.
Perícias mostraram que o terreno, que havia sido uma pedreira anos antes, foi aterrado de forma irregular, com entulhos e matéria orgânica — que inclusive passou a entrar em decomposição e formar gases — e sem compactação suficiente, o que prejudicou a estabilidade do solo.
A construtora não teria feito sondagens nem preparado o terreno de forma adequada, o que levou aos diversos problemas nas edificações.
Em 2006, os moradores decidiram entrar com a ação judicial contra a incorporadora — hoje, Cimob Imobiliária (ex-Gafisa Imobiliária, que vendeu sua participação no grupo em 2005 e mudou de nome). A Gafisa S/A, construtora responsável pela execução da obra do condomínio, entrou na disputa só mais tarde.
“Foi um processo longo porque em nenhum momento a empresa deu suporte aos peritos ou aos moradores. Foi um relapso total”, afirma o advogado Paulo Palermo, do Palermo e Castelo Advogados, que representa os moradores.
Todos os danos têm sido recuperados pelo próprio condomínio e pelos moradores. No asfalto, é possível ver inúmeras marcas de reparos.
Além do pagamento de tudo que foi gasto com essas obras ao longo dos 12 anos de processo, a Justiça determinou a realização de uma reforma completa no condomínio, orçada em cerca de R$ 11 milhões. Foi determinado também um pagamento de R$ 17,8 milhões por danos morais aos moradores, além do ressarcimento pelos custos judiciais (20% sobre o valor da condenação).
Todos esses gastos terão que ser arcados pela construtora Gafisa, segundo a sentença do juiz. A incorporadora Cimob também terá que pagar uma multa adicional de R$ 5,5 milhões, referente ao atraso no cumprimento de determinações judiciais ao longo do processo.
Procurada, a Gafisa afirmou, em nota, que irá recorrer da decisão. “A empresa ainda reitera que atua rigorosamente dentro da legalidade e de forma transparente, visando sempre o respeito ao consumidor.” A Cimob não foi encontrada pela reportagem.
O episódio é apenas mais um em meio à crise enfrentada pela Gafisa, um dos principais grupos do ramo imobiliário no Brasil. A dívida de curto prazo da empresa (ou seja, que precisa ser paga em até um ano) soma R$ 201,4 milhões, segundo os dados do terceiro trimestre de 2018, os mais recentes divulgados. A geração de caixa no período foi negativa em R$ 14 milhões.
O atual comando da empresa formou recentemente um comitê de reestruturação e está analisando medidas para melhorar a saúde da companhia e renegociando pagamentos com fornecedores, segundo pessoas ouvidas pela reportagem.
A construtora tenta se recuperar após seis meses turbulentos sob o comando da gestora GWI, do sul-coreano Mu Hak You. O investidor é conhecido no mercado como “rei do termo” por sua estratégia arriscada de comprar ações a prazo e lucrar caso elas se valorizem. À frente da empresa de setembro de 2018 a fevereiro deste ano, a GWI destituiu funcionários do alto escalão da construtora, promoveu mudanças que levaram outros executivos a pedirem demissão e colocou em cargos-chave advogadas sem muita experiência na área.
A Gafisa não tem um grupo controlador, diferentemente de outras grandes do ramo, como a Cyrela, da família Horn, e a Eztec, dos Zarzur. Isso permitiu que a GWI chegasse a deter quase 50% de participação no grupo. Além disso, a empresa estava barata na Bolsa após o ciclo recessivo que afetou o setor e um balanço afetado por aquisições duvidosas, como a da Tenda (de quem a Gafisa concluiu separação em 2017).
A gestão de Mu Hak assumiu com o anúncio de uma estratégia de recuperação do valor da companhia. Um dos principais pilares era a redução de custos, o que incluiu corte de funcionários, redimensionamento de estandes de vendas, suspensão de pagamento a fornecedores e o fechamento abrupto da filial no Rio de Janeiro. Houve também uma tentativa frustrada de transferir a sede da empresa de São Paulo para São Caetano (SP), e a Gafisa teria começado a avisar funcionários que poderia paralisar canteiros de obras — o que a direção da construtora negou à época e que acabou não se concretizando.
De toda forma, as medidas não foram bem vistas pelo mercado. Desde que a GWI começou a mexer na empresa, os papéis da construtora acumulam queda de 12% e, só em 2019, o tombo é de 42%.
Sob pressão para cobrir margens de garantia de suas posições alavancadas, a GWI promoveu no dia 14 de fevereiro um leilão de ações e reduziu sua participação na Gafisa para 7,7% — desde a quarta-feira (20), está em 4,89%.
Mu Hak deixou a presidência do conselho de administração da construtora dias após o leilão, cargo assumido por Augusto Marques da Cruz Filho.