(Folha de S. Paulo – Mercado – 12/08/2019)
Júlia Moura
Com a redução da taxa básica de juros para 6% e a expectativa de que ela termine o ano ainda menor, em 5,25%, deixar o dinheiro parado no FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) poderá se tornar mais vantajoso que a caderneta de poupança, os fundos de investimentos atrelados ao CDI (Certificado de Depósito Interbancário) e até o Tesouro Direto, por mais incrível que isso pareça.
O FGTS sempre foi alvo de críticas por render pouco ao trabalhador. Por lei, o fundo paga 3% ao ano mais a TR (Taxa Referencial, hoje zerada). Esse índice é menor que a atual inflação anual brasileira (o IPCA acumulado em 12 meses estava em 3,22% em julho). Ou seja, o investidor tem perda real.
Então o que explicaria a vantagem do FGTS? A distribuição do lucro. Com ela, esse rendimento pode subir para 6,4%.
Neste ano, o governo anunciou que destinará aos detentores de contas do FGTS 100% do lucro do fundo em 2018, que foi de R$ 12,2 bilhões. Serão contempladas todas as contas que tinham saldo disponível em 31 de dezembro de 2018.
No ano passado, 50% do lucro de 2017, ou R$ 6,23 bilhões, foi distribuído aos cotistas na proporção de R$ 17,2 para cada R$ 1.000 em conta, ou seja, 1,72% do valor total.
Caso a proporção se mantenha nessa nova distribuição, serão R$ 34,4 a cada R$ 1.000, 3,44% a mais do total da conta. Somados aos 3% de rendimento do FGTS, a conta teria um ganho de 6,4% livres de Imposto de Renda.
O dinheiro, que deve cair nas contas até o fim de agosto, é superior à rentabilidade atual da poupança, de 70% da Selic. Com a taxa básica a 6% ao ano, o juro da poupança fica em 4,2% anuais, também isento de impostos.
Os fundos atrelados ao CDI, como LCI, LCA e CDB, também perdem para o FGTS. O CDI acompanha a Selic e tende a recuar com a taxa. No momento, o CDI está em 5,9% com a Selic a 6%.
Mesmo prefixado, o CDB rende menos por ter incidência de Imposto de Renda, conforme a tabela regressiva. Em resgates após um ano de aplicação, 17,5% dos ganhos vão para a Receita Federal.
Para que um fundo fosse mais vantajoso que o FGTS em um ano, ele teria que render 131% do CDI, com o DI a 5,9%, produto raro no mercado.
Com a probabilidade de o DI ir a 5,15% ao final do ano, o fundo teria que render 150% do CDI no ano para superar os 6,4% do FGTS.
O Tesouro Direto, queridinho dos investidores, também perde no período de um ano. Só no caso de a aplicação superar os 720 dias, em que a incidência do IR passa a ser de 15%, o Tesouro IPCA 2035, com IPCA a 3,8%, passa a ser levemente mais vantajoso.
A remuneração melhor do FGTS surge em meio a novidades anunciadas pelo governo.
A partir de setembro, o trabalhador poderá retirar até R$ 500 de cada conta que tenha no fundo. Em 2020, entra em vigor nova regra que permite sacar parte do saldo FGTS anualmente.
Por depender do governo, Joelson Sampaio, coordenador de economia da FGV EESP (Escola de Economia de São Paulo), recomenda que os cotistas saquem o dinheiro.
“O FGTS tem a desvantagem de liquidez. Nesse sentido, é melhor colocar esse dinheiro em um fundo que você possa sacar quando precisar. É importante ter flexibilidade de administração sobre o próprio dinheiro e não depender de política do governo.”
Para o professor, a superioridade no ganho potencial do FGTS não é grande o suficiente para justificar a inacessibilidade ao dinheiro.
“E se amanhã você precisa desse dinheiro? Esse ganho marginal é tão pontual que não vale a pena.”
Caio Torralvo, planejador financeiro certificado (CFP) pela Planejar, tem opinião diversa. Para ele, se não há necessidade dessa quantia para quitar dívidas e há uma reserva para emergências investida, é recomendável deixar o dinheiro no fundo.
“É preciso analisar as perspectivas e os objetivos para ver o que é melhor em cada caso. Se ele não apresenta uma demanda por esse dinheiro, e há a perspectiva de distribuição de lucros, não tem problema deixar no FGTS.”
Torralvo lembra ainda que o saque do FGTS não é tão simples. “As janelas são muito limitadas. Além desses saques extraordinários promovidos pelo governo, o trabalhador só acessa os recursos do fundo em casos específicos, como demissão sem justa causa e doença”, diz.