(Estado de S.Paulo – Economia – 25/02/2021)
Cristiane Barbieri e Guilherme Bianchini
Os baldes amarelos de Vedacit são tão comuns em cima de lajes em construção que a marca tornou-se sinônimo de categoria, quando o assunto é impermeabilizante. Só que a empresa de 85 anos queria mais. Há cerca de cinco anos, a família Baumgart, dona desse e de outros negócios, resolveu ir além das formiguinhas, como são chamadas as pessoas físicas que constroem e reformam suas casas, ainda hoje seu principal cliente. Traçou um plano para aumentar as vendas também a empresas – e posicionou-se no lugar certo, na hora certa.
Com a explosão das reformas por conta do auxílio emergencial e dos negócios no mercado imobiliário, graças aos juros mais baixos da história e a busca por financiamentos, os resultados apareceram. Somada a outras iniciativas, a Vedacit cresceu 30%, em 2019. No ano de crise pandêmica, em 2020, foram mais 10%, quando a empresa alcançou o faturamento recorde de R$ 542 milhões. Para 2021, a expectativa é aumentar o número em mais 23%.
“Vários fatores indicam que o setor de construção deve ser um expoente da retomada do crescimento”, diz Marcos Bicudo, presidente da Vedacit. “Os juros estão lá embaixo (o que aumenta a demanda por financiamento imobiliário), há o novo marco do saneamento (que deve puxar investimentos) e houve ainda mudanças no Casa Verde e Amarela (antigo Minha Casa Minha Vida) que também devem impulsionar a área.”
Expectativa de inflação e desemprego podem desacelerar construção
É claro que sempre há nuvens sobre o desejado céu de brigadeiro. O último relatório Focus, do Banco Central, mostrou expectativa de alta na inflação, pela sexta semana consecutiva. Os economistas ouvidos pelo BC acreditam que o IPCA para este ano deve registrar alta de 3,62%, o que pressiona a autoridade monetária a eventualmente aumentar a taxa básica de juros – e teria reflexos também nos financiamentos imobiliários.
Já os analistas que cobrem as empresas de capital aberto da área têm destacado em relatórios a pressão sobre os custos, por conta da alta na demanda e a consequente inflação do setor. Com a redução das margens para as construtoras e de reajustes maiores do que a inflação, pode haver redução no ritmo de lançamentos e vendas.
Meta é faturar R$ 780 milhões em 2023
Mesmo com eventuais ameaças, o plano da Vedacit é de longo prazo. Bicudo é o primeiro executivo de fora da família Baumgart a comandar a empresa. Entre outras companhias, ele havia sido presidente executivo da Amanco Mercosul e Peru e da Philips para a América Latina. Estava familiarizado com as estatísticas de que 80% dos profissionais trazidos do mercado para trabalhar em empresas familiares saem depois de um ano, mas gostou do plano, viu que a Vedacit tinha um conselho profissional consolidado havia anos e embarcou no desafio.
Sua meta: fazer o faturamento bruto anual de R$ 390 milhões, em 2018, dobrar em cinco anos e chegar a R$ 780 milhões, em 2023.
Para chegar lá, foram investidos R$ 160 milhões numa fábrica de mantas asfálticas em Itatiba, no interior de São Paulo. Era o primeiro passo para que a empresa pudesse avançar no segmento corporativo, o chamado B2B. “O setor de construção civil está crescendo e ficando mais competitivo, o que tem forçado companhias a também se organizarem e reflete no número maior de IPOs (ofertas iniciais de ações, na sigla em inglês)“, diz Marcelo Motta, analista da área para América Latina no banco JP Morgan. “Como consequência, para os fornecedores da área continuarem crescendo, eles devem se voltar para essas companhias maiores, em vez de priorizar apenas o varejo.”
Após sete IPOs no setor de construção civil nos últimos anos, a tendência de alta parece evidente – apesar de o consumo das formiguinhas ainda representar cerca de 70% das vendas. Mas essa perspectiva não era tão clara assim quando a Vedacit decidiu tomar esse rumo.
Coube a Bicudo conduzir a empresa. “O papel do gestor, na realidade, é perenizar o negócio, buscar vantagem competitiva sustentada e o longo prazo, sem deixar de entregar no curto prazo”, diz. Em uma das iniciativas, por exemplo, foi feito um estudo de branding, com o reposicionamento da marca também para o setor corporativo, reformulação de embalagens e fortalecimento da comunicação.
Equipe de vendas, antes especializada em varejo, passou a ter engenheiros para as construtoras
Em outra, o departamento de vendas ganhou reforços e novo escopo. “Em nossa equipe comercial não havia nenhum engenheiro já que os vendedores eram especializados em atender o varejo”, diz Bicudo. “Hoje, temos um núcleo de engenharia com capacidade para atender a esse mercado, que é bem mais técnico.”
Ao mesmo tempo, a empresa também entrou no mercado livre de energia – e deu prioridade à compra de renováveis. A fábrica de Itatiba, por exemplo, é alimentada exclusivamente com esse tipo de insumo. O objetivo é que 45% do consumo total da companhia venha dessa fonte de energia no médio prazo. A Vedacit também investiu em furgões elétricos, que gastam 20% de um modelo semelhante abastecido com diesel. Além da economia, as iniciativas atendem às demandas crescentes por sustentabilidade.
Investimento em construtechs abre novas frentes de negócios
Como outras líderes do setor de construção civil, a Vedacit passou a apoiar as construtechs, por meio de um programa de aceleração às startups da área. “As grandes empresas de construção, graças a seu tamanho e escala, tendem a comandar também a inovação nessa área porque conseguem servir de laboratório para os experimentos”, diz Motta.
A empresa está no terceiro ciclo do Vedacit Labs, programa que investe R$ 2 milhões por fase de apoio. Lançou também uma nova empresa de tecnologia, a Trutec, que desenvolve inovações tanto para o varejo quanto para os consumidores profissionais.
A nova empresa tem como sua principal plataforma uma ferramenta adquirida da Construcode, acelerada no primeiro ciclo do programa de inovação aberta. A startup digitaliza canteiros de obras, com o objetivo de ampliar eficiência e precisão de novas construções. “Enquanto processos produtivos em vários setores se transformaram completamente, a construção civil continua naquela ladainha de concreto e tijolo baiano”, diz Bicudo. “Isso precisa e vai mudar – queiramos ou não -, e quem estiver à frente se beneficia e influencia a transformação para tornar o canteiro de obra mais eficiente e sustentável.”
Bruno Loreto, sócio-gerente da Terracotta Ventures, de investimentos em construtechs e proptechs (setor imobiliário), concorda. Para ele, a busca pela inovação é mandatória para as companhias do setor. “As grandes empresas precisam fazer o dever de casa para serem mais eficientes e competitivas”, diz ele. “É uma questão de sobrevivência.”