(Folha de S.Paulo – Mercado – 07/10/2019)
Além de inexpressiva na comparação com o volume de novos contratos de financiamento imobiliário, a portabilidade do crédito estagnou no primeiro semestre. Porém, o novo ciclo de queda pronunciada da taxa básica de juros e a competição entre os bancos devem permitir que consumidores consigam reduzir o peso do financiamento da casa própria em suas contas.
Segundo dados do Banco Central, no primeiro semestre deste ano pouco mais de 3.000 pessoas pediram a portabilidade do crédito para outro banco. Dessas, apenas 900 efetivamente foram convertidas em migração.
O volume é uma fração pequena ante as 130 mil novas operações de financiamento realizadas no primeiro semestre deste ano, segundo dados da Abecip (associação das empresas de crédito imobiliário).
A portabilidade depende da queda da Selic —a taxa básica de juros da economia— e do consequente repasse do custo menor pelos bancos.
“A portabilidade foi regulamentada na pior fase para o cliente e na melhor para os bancos. Não tinha para onde portar”, afirma Marcelo Prata, fundador da Resale, plataforma que vende imóveis retomados pelos bancos.
Em julho, o BC iniciou um segundo ciclo de cortes que pode levar os juros básicos para baixo de 5% ao ano. De 2016 ao começo de 2018, as reduções fizeram a Selic cair de 14,25% para 6,5%.
Na esteira desse mais recente ciclo de cortes, Bradesco e Itaú baixaram as taxas que cobravam no financiamento imobiliário para a faixa de 7,5% ao ano + TR (atualmente zerada), em uma nova rodada que pode puxar também os outros bancos.
“Dá para dizer que há relação direta entre os bancos reduzirem taxa e as pessoas portarem”, diz Prata.
O processo de portabilidade tem etapas simples, mas envolve custos e alguma burocracia. Isso acaba sendo um inibidor do mercado.
A parte fácil é pedir ao banco um extrato do saldo devedor, as prestações e o custo efetivo total do financiamento. Com esse documento em mãos, é preciso ir aos bancos concorrentes em busca de uma oferta melhor.
Para Prata, quando a taxa fica 0,50 ponto percentual mais barata, começa a fazer sentido pedir a portabilidade.
Já o professor Alberto Ajzental, coordenador do curso de Desenvolvimento de Negócios Imobiliários da FGV (Fundação Getulio Vargas), diz que a conta varia muito, a depender do valor da prestação e de quantas ainda estão em aberto.
Depois de solicitada a portabilidade, no banco de destino do financiamento, a instituição de origem tem dois dias para transferir o financiamento ou fazer uma contraproposta que reduza o custo.
Os bancos são proibidos de cobrar taxas para essa transferência, mas existem custos que podem ser repassados: abertura de cadastro de crédito e o perito que vai avaliar as condições do imóvel financiado —e que é dado em garantia— estão entre eles.
O CMN (Conselho Monetário Nacional) decidiu, no fim de setembro, que os bancos podem dispensar a contratação desse profissional, mas não está claro se isso de fato ocorrerá.
Por fim, há ainda o custo de averbação na matrícula do imóvel no cartório, que dá a outro banco o imóvel em garantia. “Muita gente mistura custo de cartório com ITBI [o imposto de transferência do imóvel]”, afirma Prata, sobre o medo das pessoas em tentar a portabilidade.
Ele dá o exemplo: em São Paulo, o custo de registro de imóvel no cartório, quando o financiamento é feito, ronda os R$ 2.300 (para unidades entre R$ 265 mil e R$ 530 mil). A averbação sai por cerca de R$ 600.
Já o professor da FGV estima que o custo total da transferência fique ao redor de R$ 5.000, que o consumidor precisa desembolsar na hora. Quanto ao financiamento do imóvel, o banco embute esses custos de cartório no financiamento total.
Para Ajzental, quando ocorre negociação no banco de origem, o crédito não deve migrar. Ele explica: “Por ter a ferramenta de portabilidade, a tendência das taxas de juros é convergir. Ela vai ser perfeita quando ninguém optar pela portabilidade”.
Isso porque, após o pedido, o banco pode fazer uma contraproposta, reduzindo o custo do financiamento sem que o cliente tenha de fazer mais do que barganhar um juro menor com uma oferta da concorrência. E a retenção tende a ocorrer porque os bancos querem justamente a fidelidade do cliente.
Como o financiamento imobiliário tem prazo de cerca de 30 anos, esse consumidor acaba construindo um relacionamento com a instituição financeira: passa a usar a conta, cartões, contrata financiamento de carro. Isso gera outras receitas para o banco.
O crédito imobiliário está justamente entre as linhas em que há maior competição entre os bancos, ao lado do financiamento de veículos e também do crédito consignado.
Se tornaram ainda mais competitivas durante a crise econômica porque era uma maneira de os bancos continuarem emprestando, mas com risco baixo de calote.
Nos três casos, há uma garantia —o bem ou o salário da pessoa que está tomando o empréstimo.