A área técnica da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) deve insistir no seu posicionamento sobre a forma da reconhecimento de receita da atividade de incorporação imobiliária e orientar as empresas a seguir fazendo o registro ao longo da obra, ainda que o comitê de interpretação das normas contábeis internacionais IFRS, chamado Ifric, mantenha seu posicionamento, por ora preliminar, com posição divergente - dizendo que a contabilização da receita deve ocorrer na entrega das chaves.
"A resposta preliminar do Ifric não corresponde à pergunta que foi feita e não considera as premissas que foram passadas", disse José Carlos Bezerra, superintendente de normas contábeis da CVM, durante evento organizado pela Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), na semana passada.
Bezerra fez questão de ressaltar que não considera que uma resposta do Ifric seja vinculante para o órgão regulador no Brasil. "O Ifric não cria normas, a não ser que elas sejam aprovadas pelo board do Iasb (Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade) e virem uma interpretação formal."
Em setembro, após consulta realizada pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), o comitê de interpretações das normas IFRS emitiu uma opinião preliminar dizendo que, após análise da realidade do mercado brasileiro descrita pelo CPC, e do texto da nova norma sobre o tema, chamada IFRS 15, que entra em vigor em 2018, concluiu que o registro da receita deveria ocorrer somente no momento da entrega das chaves. Após o texto de resposta ter sido colocado em uma espécie de audiência pública, o órgão deve voltar a debater o tema em janeiro e possivelmente em março.
Para garantir que as empresas brasileiras possam saber como fazer os registros contábeis no início do ano que vem, a área técnica da CVM pretende divulgar, até 15 de janeiro, seu ofício-circular com orientações sobre a elaboração das demonstrações financeiras de 2017 e deve incluir no documento um capítulo específico sobre o reconhecimento de receita das incorporadoras imobiliárias. "A área técnica da CVM vai propor ao colegiado que, até que o assunto seja pacificado no Brasil, seja mantida a regra atual", disse Bezerra.
O método de contabilização da receita ao longo da execução física e orçamentária da obra, amplamente usado pelas incorporadoras imobiliárias no Brasil, é conhecido como POC, do inglês percentage of completion.
"O que a CVM entende é que a informação contábil só tem qualidade quando ela é útil para tomada de decisão, quando ela reflete a realidade econômica", disse Bezerra. As empresas têm enfatizado que é dessa forma que elas gerem seus negócios e que os executivos acompanham os resultados.
Para a CVM e as companhias, o modelo de negócios delas, que primeiro começam a vender os imóveis, para depois iniciar a construção, e também o arcabouço jurídico local, levariam à manutenção do método POC, que também é permitido pelo IFRS, em determinadas condições.
Para os auditores, a saída de curto prazo não seria um problema, contanto que se prolongue a situação atual, em que o parecer que eles emitem sobre os balanços das incorporadoras têm uma redação um pouco diferente, mas sem ressalvas. Nesse documento, eles dizem que as empresas seguiram as práticas do IFRS tal como adotadas pelas companhias do setor no Brasil. Na prática, é uma maneira de evitar dizer que elas não estão aderentes, na visão deles, às normas tal como emitidas pelo Iasb.
O problema, diz uma fonte, é se a CVM quiser obrigá-los a emitir um parecer atestando a aderência completa ao "IFRS do Iasb", caso o Ifric mantenha sua resposta.
Rogério Mota, representante do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon) presente no evento, disse que uma das principais questões se refere ao direito ou não da empresa de cobrar e receber pelo serviço prestado até determinada data - uma condição necessária para uso do POC, mas que causa dúvida diante do elevado número de distratos. Embora a lei diga que o contrato é irretratável e irrevogável, o que se observa são muitas pessoas desistindo das compras e recebendo de volta parte relevante do dinheiro pago. "Se a incorporadora tem direito legal de cobrar, porque há companhias divulgando receita negativa e até entrando em recuperação judicial por causa dos distratos?", questionou.
Membro do CPC, o professor Eliseu Martins diz que o POC parece refletir melhor a realidade econômica do negócio. Para ele, contudo, a receita só deveria ser reconhecida ao longo da obra se tanto as empresas como os auditores tiverem segurança sobre a qualidade dos recebíveis e sobre o controle do custo orçamentário.
Para o gerente de normas contábeis da CVM, Paulo Roberto Ferreira, se as empresas reconheceram receita que não deveriam ter reconhecido nos últimos anos, o problema não está na norma, mas na aplicação correta dela. "É uma questão de 'enforcement'."