Após escândalos recentes envolvendo os regimes de previdência complementar dos Estados e municípios, conhecidos como RPPS, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) pretende limitar a atuação de fundos usados por essas instituições. Uma das principais sugestões colocadas pela autarquia em audiência pública envolve investimentos em ofertas que não precisam de registro perante o regulador, como aquelas feitas por meio da Instrução 476.
No total, a autoridade quer discutir propostas de mudanças em seis instruções diferentes. Em suas rotinas de supervisão, a CVM encontrou problemas de governança, transparência e conflitos de interesse em operações envolvendo fundos de investimento que possuem preponderantemente como cotistas Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), incluindo indícios de fraudes. Segundo o regulador, essas operações usualmente ocorrem na aquisição de ativos subscritos em ofertas sem registro na CVM, incluindo ofertas realizadas por emissores não registrados. "Interpretamos que a medida educacional que usualmente se obtém por meio de processos sancionadores não seria a resposta mais adequada por conta do tempo necessário para evitar que os fundos sejam constituídos para este tipo de investidor específico [os RPPS]", disse ao Valor o superintendente de desenvolvimento de mercado da autarquia, Antonio Berwanger. Há investigações em curso na CVM, mas ele não detalhou.
A minuta propõe que fundos que possuam RPPS como participação direta ou indireta superior a 15% do seu patrimônio líquido fiquem impedidos de adquirir títulos que não tenham sido objeto de oferta pública de distribuição registrada, que permite que a CVM e o mercado conheçam o emissor e realizem um escrutínio em função das informações prestadas. A exceção é quando forem emitidos por companhias abertas com maior exposição ao mercado, que sejam habilitadas a emitir em programas de distribuição.
Segundo a Instrução 400, podem requerer o registro de programa de distribuição de valores mobiliários as empresas que tenham realizado ofertas públicas registradas no valor mínimo de R$ 500 milhões nos últimos 48 meses ou cujo valor de mercado das ações em circulação seja igual ou superior a R$ 2 bilhões, tenham mais de 24 meses de registro de emissor e estejam em fase operacional, além de ter em dia todas as obrigações com a CVM nos últimos 12 meses.
A mudanças devem valer também para os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC), Fundos de Investimento Imobiliário (FII) e Fundos de Investimento em Participações (FIP).
Além disso, pretende autorizar que apenas certificados de recebíveis imobiliários (CRI) e do agronegócios (CRA) emitidos por securitizadoras registradas como companhias abertas na CVM possam ser objeto de ofertas com esforços restritos. Em paralelo, a autarquia tem estudos para elaborar uma regulação específica para as securitizadoras. A minuta propõe ainda incluir novas hipóteses de infração grave relacionadas a fundos de investimento e agências classificadoras de risco.
A resolução do Conselho Monetário nacional (CMN) nº 4.604/2017, que alterou a resolução do CMN nº 3.922/2010, passou a prever que os fundos a serem aplicados por RPPS somente podem investir em papéis de companhias abertas desde que operacionais e registradas na CVM, mas há exceções. "A maior parte dos indícios de fraude nas aplicações de RPPS aconteceu em ativos emitidos por empresas fechadas", afirma Bruno Tuca, sócio do escritório Mattos Filho.
Na avaliação de Alex Albert Rodrigues, subsecretário substituto dos RPPS da Secretaria da Previdência do Ministério da Fazenda, a proposta da CVM deve trazer maior transparência para as aplicações dessas instituições. "Isso é importante porque nas ofertas registradas você tem um regime de informações mais sólido", afirma.
A via rápida das emissões com esforços restritos de colocação foi o flanco pelo qual escoou a maioria dos títulos de dívida que estão no alvo das investigações da Operação Encilhamento da Polícia Federal - que apura supostas fraudes na aplicação de recursos de institutos de previdência municipais em fundos que tinham debêntures sem lastro em carteira.
A Instrução 476 permite a oferta e distribuição de ativos tanto de empresas de capital aberto quanto fechado. Diferentemente das ofertas no âmbito da instrução 400, o nível de abertura de informações em uma oferta 476 é muito menor e em algumas vezes nem conta com material de divulgação sobre o emissor. Isso porque essas ofertas só podem ser distribuídas para no máximo 50 investidores profissionais que possuam mais de R$ 10 milhões em investimentos aplicados. Por terem dispensa de registro, não há uma análise prévia da operação pela CVM. "Nas oferta pela 476 não há um prospecto ou formulário de informações que devem ser preenchidas. Os emissores devem apenas dar uma declaração de que deu informação completa e suficiente para a tomada de decisões", diz Carlos Augusto Junqueira, sócio do escritório Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto.
As ofertas pela Instrução 476 são muito utilizadas nas emissões de debêntures, respondendo por 99% do volume ofertado no mercado neste ano. A Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) também está preparando uma mudança nas ofertas pela instrução 476 no âmbito da autorregulação.