(O Globo – Economia – 07/12/2018)
Leo Branco, Luciana Casemiro e Hellen Guimarães
As mudanças nas regras do distrato de imóveis aprovadas na Câmara dos Deputados na quarta-feira ainda podem se converter em mais dor de cabeça para quem desistir da compra de um apartamento na planta. Para o comprador, além de uma multa maior sobre o valor pago, de até 50%, o ressarcimento do restante a receber pode demorar até sete meses, além do tempo da obra. Para as empresas, que celebraram a mudança, os resultados também podem demorar a aparecer. Segundo analistas, como um imóvel leva, em média, de um a dois anos para ser erguido, o efeito da lei deve ser observado nos balanços das construtoras somente a partir de 2021.
Até mesmo agências de classificação de risco, como a Moody’s, que já soltaram relatórios com perspectivas positivas para o futuro das construtoras brasileiras, estão céticas sobre a capacidade de a lei resolver crises do setor, como a recuperação judicial de grandes incorporadoras como PDG e Rossi.
- Como a lei não tem efeitos retroativos, uma queda mais brusca no nível de distratos é esperada no longo prazo — diz Carolina Chimenti, analista de infraestrutura da Moody’s.
Até lá, o problema do distrato segue uma batata quente no balanço das construtoras. Segundo os dados mais recentes da Abrainc, associação brasileira das incorporadoras, 27% das 115.930 unidades habitacionais entregues entre janeiro e agosto de 2018 haviam sido distratadas antes da entrega das chaves. É uma fatia menor que o recorde de 46% do 3º trimestre de 2016, mas distante do padrão até 2014, anterior à crise, quando raramente passava de 10%.
Lei pode ser ‘tiro no pé’ - Há quem acredite que as regras mais duras vão afastar os possíveis compradores. Para a Associação Brasileira de Mutuários da Habitação (ABMH), que reúne advogados especializados em ações judiciais por direitos habitacionais, o projeto de lei é um tiro no pé das construtoras porque pode desestimular vendas. O advogado Arthur Rollo, ex-titular da Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça, concorda. Além do aumento do percentual da multa, diz ele, o consumidor terá de pensar duas vezes, já que a nova lei prevê que o ressarcimento ao comprador será feito até 30 dias após o habite-se do empreendimento:
- Na prática, significa que, além do prazo da construção, pode-se esperar mais sete meses para receber o dinheiro. Isso porque a lei prevê que as construtoras podem atrasar até 180 dias a entrega, sem penalidade. E ainda concede 30 dias para o pagamento após o habite-se.
Quando fez o distrato, em 2014, Suelen Batista teve 20% de tudo que havia pago retido:
- Se essa regra estivesse valendo naquela época, eu sequer teria feito o negócio.
O risco de uma queda no interesse por imóvel na planta, por ora, é um mal menor na visão de lideranças do mercado. A lei, dizem, é bem-vinda por coibir a ação de “aventureiros”.
- É preciso resgatar a cultura de cumprimento de contratos. O interessado num imóvel deve ter o devido preparo financeiro e pensar muitas vezes antes de assinar - diz Flávio Amary, presidente do Secovi-SP, sindicato de empresas do setor em São Paulo.