Para driblar a crise, donos de imóveis estão topando qualquer negócio para fazer desses bens uma fonte de renda. Dados do IBGE mostram que, em 2017, o número de pessoas com rendimentos de locação e arrendamento no Estado do Rio saltou 23% em relação ao ano anterior e passou de 161 mil pessoas para 200 mil. No estado, o movimento foi ainda mais intenso do que a média geral do país, onde o número de pessoas com este tipo de renda cresceu 7% em 2017, para quatro milhões de pessoas, enquanto o grupo com renda do trabalho caiu 0,3%.
Três fatores explicam o aumento registrado no período na avaliação de representantes do setor imobiliário: com a alta do desemprego e o fechamento das torneiras para novos financiamentos pela Caixa, quem tinha imóvel para vender ficou com o bem encalhado e decidiu alugar para, ao menos, livrar-se dos custos com IPTU e condomínio. Além disso, no caso do Rio, com orçamento apertado, muitas famílias da Zona Sul alugaram o apartamento próprio e foram morar como inquilinas em bairros onde o custo de vida é mais baixo. Outro aspecto que contribuiu para a mudança foi o aumento da oferta de quartos e apartamentos em sites de hospedagem, como Airbnb e Booking.com.
— Nos últimos quatro anos, houve uma virada no mercado. Antes, tínhamos 60% de procura por compra e 40% por aluguel. Isso se inverteu com o desemprego alto e a limitação dos financiamentos dos imóveis, algo que só agora deve começar a ser revertido — explica o vice-presidente de Dados do Grupo Zap Viva Real, Caio Bianchi, referindo-se à redução de juros e ao aumento do teto para financiamento da casa própria anunciados pela Caixa há uma semana.
Imóvel maior, mais chances de encalhar - Leonardo Schneider, vice-presidente do Sindicato da Habitação do Rio (Secovi), diz que, particularmente na capital fluminense, há um casamento feliz entre oferta e demanda por aluguel porque, ainda que o aumento da insegurança assuste, há uma procura constante por apartamentos de temporada, por causa do turismo, e para universitários que vêm de outras cidades.
De outro lado, nos primeiros anos desta década, devido a facilidades para compra e expectativas com os eventos esportivos ocorridos na capital em 2014 e 2016, houve uma explosão de investimentos em imóveis.
— O mercado imobiliário é um ativo mais conservador. O brasileiro tem tradição de investir em imóvel porque vê nele uma renda garantida. O Rio ainda descobriu uma vocação de aluguel por temporada, e os sites de reserva on-line também ajudam esse mercado a crescer — observa Schneider.
A plataforma mais conhecida, o Airbnb, viu o número de anfitriões, que é como são chamados os locadores de quartos e apartamentos, subir de 90 mil em 2016 para 117,1 mil no ano passado, alta de 30%. Lúcia Marco e Ney Canellas são dois deles. No site, apresentam-se como um “casal na faixa dos 50 anos, com curso superior completo, apaixonados pelo Rio”. Passaram a alugar o miniestúdio com banheiro privativo de cerca de 9m² anexo à cobertura onde moram, em Copacabana, em dezembro de 2016. A diária para duas pessoas fica entre R$ 85 e R$ 100.
— Essa suíte foi feita para o meu filho mais velho. Depois que ele se mudou, ficou parada. Eu e meu marido sempre fomos autônomos e isso dificulta nossa aposentadoria. Então decidimos alugar o miniestúdio para ter uma renda extra. Hoje, ela é quase nossa fonte primária — conta Lúcia, complementando que a taxa de ocupação gira em torno de 75% ao mês, mesmo com mais oito concorrentes no mesmo prédio.
No mesmo bairro, Maria Monteiro não só passou a alugar seu imóvel de quatro quartos, depois de tentar vendê-lo por quase dois anos, sem sucesso, como fez disso um novo negócio. Hoje, ela administra 58 imóveis de alto padrão, a maior parte de amigos que, como ela, não conseguiram vender e partiram para o aluguel.
— Meu filho casou, e a ideia era vender esse apartamento para comprar dois menores. Um para ele e outro para mim. Mas, em quase dois anos, só tive uma proposta de compra e queriam pagar 30% menos do que pedi inicialmente. Então, ano passado, decidi alugá-lo por temporada. Assim, se uma proposta boa de compra aparecer, posso vendê-lo — conta Maria, que usa parte dessa renda para pagar o aluguel do filho.
Conceição Oliveira também tem dois imóveis alugados, um no bairro do Catete e outra em Goiânia (GO), pela mesma razão. Obtém cerca de R$ 4.400 mensais com os dois aluguéis e se livrou dos gastos que tinha com IPTU e condomínio.
— O imóvel do Catete ficou mais de um ano à venda. Quando aparecia comprador, o que era raro, na hora de fechar negócio, não conseguia financiamento. O que dá certo é o aluguel. Vender, você não consegue — conta Conceição.
Setor prevê melhora nas vendas - Francisco Castel-Branco, diretor-executivo da Lowndes Administradora, explica que, quanto maior o imóvel, e consequentemente seu valor, maior é a dificuldade para vendê-lo:
— Há pessoas trocando aluguéis mais caros por mais baratos e isso também ajudou a aumentar o estoque de imóveis vazios. Os donos estão tendo de baixar os preços para alugar ou manter inquilinos antigos.
Castel-Branco também identificou outro perfil de cliente durante a crise: aquele que abre mão de qualidade de vida para obter renda.
— Uma família que tinha imóvel em Ipanema, conseguiu alugá-lo por R$ 13 mil e foi morar em outro bairro, pagando um aluguel de R$ 6 mil.
É um mercado que se tornou lucrativo mesmo com a queda dos valores de locação. O Índice FipeZap — que acompanha o preço de aluguel de imóveis em 15 cidades brasileiras — aponta que, em 12 meses encerrados em fevereiro, o preço médio do aluguel no Rio acumula queda de 7,64% — a maior entre as cidades pesquisadas.
— Houve uma queda de 10% no valor médio do aluguel durante a crise, mas agora estabilizou. O que ocorreu foram muitas negociações, pois perder um bom inquilino, que pague em dia, é um prejuízo muito grande — analisa Joaquim Ribeiro, presidente da Federação Nacional dos Corretores de Imóveis (Fenaci).
A renda média real mensal obtida por meio do aluguel, no entanto, cresceu 20% no último ano no Estado do Rio, de acordo com o IBGE. Passou de R$ 1.843 em 2016 para R$ 2.210 no ano passado. A média do país ficou praticamente estável, em R$ 1.588 mensais.
O anúncio feito segunda-feira passada pela Caixa Econômica Federal — principal fonte de financiamento imobiliário do país — trouxe expectativas de melhora no mercado de vendas. Para a compra de imóvel dentro do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), as taxas mínimas recuaram de 10,25% para 9% ao ano. Nesta modalidade estão incluídos imóveis residenciais de até R$ 800 mil, exceto para Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Distrito Federal, onde o limite é de R$ 950 mil.
Já para imóveis enquadrados no Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), as taxas passam de 11,25% para 10% ao ano. Neste caso, estão valores acima dos limites do SFH.
— Já tínhamos essa expectativa, tendo em vista que a Selic (taxa de juros básica) está em seu patamar mínimo histórico (6,5% ao ano), e bancos privados já vinham baixando suas taxas — diz João Paulo Mallet, sócio-diretor da Privilégio Imóveis.
Ribeiro também prevê que o mercado de aluguéis se mantenha atraente nos próximos anos em razão do déficit habitacional, na faixa de seis milhões de imóveis, e de fatores como formação de novas famílias e casos de divórcio.
— Hoje, o aluguel é um bom negócio, independentemente da conjuntura econômica, porque a população só vai parar de crescer em 2040 — avalia Ribeiro.