Assim como há quase 20 anos, quando presidiu o Banco Central, o economista Arminio Fraga continua acreditando que reformas microeconômicas são a chave para reduzir o spread bancário. Para o sócio da Gávea Investimentos, o Brasil precisa elevar o volume de créditos com garantias, rever legislações como a de falências, finalmente implementar o Cadastro Positivo e delegar ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) o acompanhamento da concentração bancária. Para Arminio, o plano promovido pelo BC a partir de 1999 para reduzir o spread teve sucesso, mas “talvez tenha dado uma desacelerada”.
Há quase 20 anos, quando estava à frente do BC, o senhor capitaneou uma iniciativa para redução do spread bancário. Por que este continua elevado? - A lógica é tentar diagnosticar quais são as razões para esse spread ser tão grande e tomar providências. Lá atrás, o spread caiu da casa dos 50 pontos para o patamar dos 30. Começamos a medir, o que não era feito. A simples mensuração já gerou um movimento de opinião pública clamando por providências, o que, no fundo, era o que esperávamos. E assim foi possível também mobilizar as partes envolvidas, inclusive o Congresso. Depois, talvez tenha dado uma desacelerada ao longo do caminho. Eu concordo, talvez esteja na hora de voltar, porque a coisa estacionou.
Como finalmente conseguir reduzi-lo agora? - O básico lá atrás era fazer um diagnóstico e ir atacando cada fator. Isso incluía, como continua a incluir hoje, a qualidade das garantias. No mundo inteiro, o grosso do crédito vem com garantias, porque é muito mais eficiente e mais barato. Isso, no Brasil, pode melhorar muito, acredito que houve até um retrocesso. Acreditávamos lá atrás que a alienação fiduciária iria resolver muita coisa. Ela largou muito bem, mas hoje existem questões sobre sua capacidade de oferecer garantias. Tínhamos foco na Lei de Falências, que acabou sendo aprovada na gestão Palocci (ex-ministro da Fazenda). Hoje, dá para dizer que essa área carece de alguma revisão.
Por exemplo? - Desenha-se a lei da melhor maneira possível e depois precisa ver o que acontece na prática, como acontecem os processos de recuperação judicial e falência. Hoje, há espaço para melhorar. Existe ainda uma série de questões sobre a qualidade da informação disponível para o credor. Estamos falando de central de risco, o famoso Cadastro Positivo, que tem que decolar.
O senhor concorda com as críticas de associações de defesa do consumidor sobre o Cadastro Positivo? - Eu não vejo mérito nas reclamações. Existem algumas preocupações com a questão da privacidade, que eu respeito, mas não deveria haver nenhum empecilho ao direito das pessoas de carregar seu próprio histórico de crédito, para poder forçar um pouco mais de concorrência dos emprestadores. O que pode ser uma reclamação: quem não tem um bom histórico, infelizmente, não consegue tomar dinheiro a uma boa taxa. Mas o fato é que, do jeito que as coisas estão, ninguém consegue.
O alto patamar de hoje tem também a ver com a crise pela qual o país passou? - Um pedaço disso veio com o aumento de crédito e da recessão. Mas eu não estou analisando isso de maneira muito científica como eu fiz lá atrás e também não quero exagerar na convicção da resposta. Mas é algo por aí mesmo. Isso é parte de um conjunto de muitas ações, de reformas, que precisam ser tomadas para colocar o país na trajetória de crescimento sustentável.
A nova agenda do BC é parecida com a de 1999. Quais são suas perspectivas de sucesso? - Isso tudo constitui uma agenda fabulosa. Há toda uma expectativa de que ela dê certo. O que me encantava lá atrás, quando eu estava diretamente envolvido, era que eu realmente acreditava, como aconteceu, que a coisa iria funcionar. E eu acho que ela vai funcionar outra vez. Algumas discussões vão ter que acontecer, e já estão acontecendo, mas o básico é muito lógico. E o Brasil precisa muito disso.
Especialistas apontam a concentração bancária elevada como um dos principais motivos para o spread alto. O senhor concorda? - Esse tema fazia parte da nossa lista lá atrás. Várias das medidas mencionadas aqui contribuem para aumentar o poder de negociação dos tomadores de crédito, uma vez que o sistema é concentrado. Eu não faria a acusação de que nós temos um cartel, não me parece ser o caso, mas é de fato muito concentrado, e esse é um assunto que deve ser acompanhado. Nós inclusive encaminhamos um projeto de lei complementar que transferia para o sistema de defesa da concorrência essa missão. Hoje, é meio compartilhada com o Banco Central, e deveria ir para o Cade. Mas com algum controle para questões de risco sistêmico, mas esses são eventos muito raros. No geral, deveria estar na mão do Cade. Mas o projeto está parado desde 2002.
Existe algum patamar considerado recomendável para os spreads? - Não tem, não. Depende muito da qualidade dos instrumentos. Tem outras áreas no mundo do crédito em que os juros são altos fora do Brasil, embora não tão alto quanto aqui. O cheque especial é um deles. O BC recentemente introduziu a obrigatoriedade de que ele seja transformado em crédito ao consumidor. Também existem questões sobre o cartão, igualmente caríssimo. São todos temas que têm que ser discutidos. Mas, em tese, o grosso do crédito deveria ser imobiliário ou ligado a bens duráveis. E aí a capacidade de oferecer garantia existe e precisa ser aperfeiçoada. No mundo inteiro, um percentual muito alto do crédito às pessoas ocorre dessa forma.