(Veja – Economia – 21/07/2020)
Pedro Capetti
O desafio de renegociar contratos de aluguel durante a pandemia fez com que corretoras buscassem alternativas inovadoras para evitar a devolução de imóveis. Além do tradicional acordo entre inquilino e proprietário, surgiram no mercado soluções insuitadas para diminuir a inadimplência, como o parcelamento dos valores vencidos no cartão de crédito. Houve até quem garantisse o pagamento do aluguel para o dono do imóvel, mesmo diante da possibilidade de atraso na quitação do compromisso por parte do locatário.
Diante da crise provocada pelo novo coronavírus, corretores e administradores afirmam que é mais vantajoso receber menos e flexibilizar as condições de pagamento do que ficar com o imóvel vazio. Ainda mais em uma economia que ainda está longe de recuperar as perdas. No Rio de Janeiro, a taxa de inadimplência ficou em 18% no auge da pandemia, enquanto a média histórica é de 9%, segundo dados da Secovi-RJ, sindicado do setor.
Desconto médio de 55%
Somente durante a pandemia, a plataforma de aluguel QuintoAndar desembolsou cerca de R$ 50 milhões para garantir o repasse do pagamento em dia aos proprietários dos imóveis que compõem a carteira de mais de R$ 30 bilhões sob sua gestão. O pagamento faz parte do compromisso da empresa com os proprietários.
Se o inquilino atrasa ou fica inadimplente, a start-up se compromete a efetuar o depósito do aluguel para o dono do imóvel todo mês. Desde 2015, cerca de R$ 200 milhões já foram garantidos aos proprietários.
Além disso, a empresa intermediou negociações entre inquilino e proprietário e facilitou processos para suspender e diluir as parcelas restantes no cartão de crédito. O resultado foi uma inadimplência menor que a esperada
— Houve um aumento da taxa de inadimplência, mas foi mais moderado do que prevíamos, o que reforçou a sustentabilidade do nosso modelo — diz Gabriel Braga, presidente e co-fundador da QuintoAndar.
A negociação entre as partes e a flexibilização do pagamento foram alternativas adotadas no lugar de uma possível judicialização. Em tempos de crise, ações sobre redução ou isenção de aluguel são frequentes nos tribunais.
Em São Paulo, maior mercado habitacional do país, quase 50% da carteira de locação das imobiliárias foram renegociados, com descontos médios de 55%, tanto no residencial quanto no comercial, segundo dados do Secovi-SP. Claudio Hermolin, vice-presidente de Intermediação Imobiliária e Marketing do Secovi-SP e presidente da Brasil Brokers, diz que os resultados foram efetivos para evitar um elevado índice de devoluções e inadimplência:
— Buscamos sempre um acordo entre as partes, e a maioria conseguiu renegociar. Sempre fomos contra a judicialização. A pandemia afetou todos os setores.
Segunda onda de acordos
A lenta recuperação da economia faz com que contratos entrem em nova fase de renegociação. Na maioria dos acordos, os descontos foram concedidos por três meses, mas a crise se prolongou, e as consultas por mais prazo se intensificaram nas corretoras.
— Já existe uma nova onda de clientes que demandam mais três meses ou até o fim do ano — destaca Bruno Vasconcelos, diretor da Patrimóveis, cujo percentual renegociado atingiu 70%. — Em alguns casos, vagar o imóvel não é inteligente.
Na Apsa, 70% dos contratos de locação de imóveis comerciais foram renegociados. Entre os residenciais, o percentual alcançou 35%. Jean Carvalho, gerente-geral de imóveis da empresa, diz que redução do valor de pagamento funcionou e reteve devoluções:
— A ideia inicial de muitos locatários era fazer a devolução. Conseguimos reter o cliente com a promessa de cobrar integralmente a partir de julho, mas agora temos inquilinos voltando e pedindo a continuidade dos descontos. Continuamos a renegociação com finalidade de não desocupar o imóvel
Apesar do aumento na busca de renegociações, indicadores da corretora apontam para uma estabilização no processo de devoluções e retomada das locações, num patamar 40% abaixo do início da pandemia.
Para Carvalho, uma retomada do setor no mesmo nível pré-pandemia só será possível com uma recuperação da economia. Além disso, em sua opinião, o setor comercial deverá seguir como o mais impactado, por conta da adoção do regime de home office em parte das empresas.
— Haverá uma redução na locação e no tamanho do imóvel. Vão continuar existindo pontos de atendimentos, mas, entre as empresas que fizeram o teste forçado do home office, muitas não voltarão a ter o tamanho anterior — alerta.