(Folha de S.Paulo – Economia – 17/02/2021)
O mercado imobiliário está otimista com 2021. Depois de um 2020 surpreendentemente positivo, apesar da pandemia, as perspectivas para o ano são de expansão das vendas, da indústria e do crédito.
Pudera. Entre as empresas que já divulgaram suas prévias de resultados do último trimestre, há quem reporte as melhores vendas da história –e isso em um ano atípico.
Na capital paulista, as 51,4 mil unidades residenciais vendidas representaram um recorde na série histórica iniciada em 2004 pelo Secovi-SP (sindicato da habitação). O resultado superou em 4% as 49,2 mil unidades vendidas em 2019, ano considerado excepcional.
A preocupação com preços e prazos de entrega de matérias-primas persiste, mas há expectativa de estabilidade ainda no primeiro trimestre.
Do lado do consumidor, os juros abaixo de 7% facilitaram financiamentos. Mais famílias acessaram crédito e outras conseguiram, com a mesma renda, comprar um imóvel mais caro do que poderiam quando os juros passavam de dois dígitos.
A Abecip (associação de entidades de crédito) projeta alta de 21% na concessão de crédito neste ano, considerando SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo) e FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).
Em 2020, os financiamentos com recursos da poupança superaram o ano de 2014, o do "boom" dos imóveis.
Para o presidente da Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias), Luiz Antonio França, todos os segmentos terão crescimento em 2021.
Uma eventual elevação da taxa básica dos juros (Selic) não preocupa o setor. “Se a Selic chegar a 3,5%, a poupança não muda e não deverá ter impacto no mercado. Só é fundamental ficar abaixo de dois dígitos”, disse França.
Para a economista da Cbic (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), Ieda Vasconcelos, uma Selic em 4% manteria estímulo ao crédito.
No setor econômico, que engloba o Casa Verde e Amarela (o antigo Minha Casa Minha Vida), o resultado deverá ser impactado pelo déficit estimado em 7,8 milhões de moradias e pela criação de novas famílias.
Na capital, segundo balanço do Secovi-SP, metade do que foi lançado em 2020 foi dentro do segmento econômico.
O indicador calculado pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisa) para a Abrainc mostra comportamentos distintos entre os segmentos de médio e alto padrão e econômico nos 12 meses até novembro.
Esse último teve alta de 12,7% nos lançamentos, e de 36,4% nas vendas líquidas. Entre os empreendimentos mais caros, as vendas ficaram negativas em 7,6%, e o volume de novos negócios, em 35,1%.
Na avaliação da pesquisadora Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos da Construção do Ibre-FGV, as expectativas positivas dependerão da melhora da economia para que se confirmem.
“O ano começa com incertezas significativas. As variáveis crédito e juros serão importantes para garantir um bom desempenho, mas ele não será excepcional se a economia não reagir”, afirmou.
A confiança dos empresários da construção vinha crescendo em 2020, mas começou a arrefecer. Em janeiro, o índice da FGV teve recuo de 1,4 ponto. “Há um limite para esse descolamento entre a situação do mercado imobiliário e da economia”, disse Ana Maria.
A Cbic prevê que o PIB (Produto Interno Bruto) da construção —inclui, além de edificações, obras de infraestrutura e serviços especializados— recue 2,8%. Para 2021, a aposta é crescer 4,5%, a maior variação desde 2013. A câmara da indústria prevê alta de 10% nas vendas.
Até o terceiro trimestre, a entidade registrou 8,4% de aumento nas unidades comercializadas e queda de 27,9% nos lançamentos.
Para o Secovi-SP, o aumento nas vendas deve ficar entre 5% e 10%, mas a perspectiva positiva não é consenso na entidade. Basílio Jafet, presidente do sindicato, disse que o aumento nos lançamentos nos últimos meses do ano conduziram a um “ligeiro otimismo”.
Ressaltou, porém, que o crescimento dependerá de as condições macroeconômicas melhorarem e o preço dos insumos recuar.
O custo maior de matérias primas afeta mais, segundo ele, quem trabalha no segmento econômico –o teto do antigo Minha Casa, Minha Vida é de R$ 240 mil, deixando apertadas as margens para elevações de preços.
Como o crescimento do mercado em 2020 dependeu muito desse segmento, o risco é maior. “Não vemos o governo elevando os limites do Casa Verde e Amarela, então podemos ficar em uma situação difícil”.
A Tenda, empresa com atuação nos grupos iniciais do Casa Verde e Amarela, informou ter registrado no quarto trimestre seu melhor resultado em vendas, um avanço de 29,9% ante 2019. Na comparação anual, a alta foi de 25,2%. Nos lançamentos, a variação foi de 3,5%.
Em sua prévia, a Direcional informou recorde no quarto trimestre, com avanço de 26% nos lançamentos ante 2019. Em 12 meses, menos negócios novos foram ao mercado, mas as vendas líquidas subiram 27%. A MRV teve queda de 14,8% nos lançamentos, mas uma alta de 30,3% no total vendido.
Por outro lado, faltou segurança para lançar novos negócios. Regras de distanciamento social, que fecharam estandes, e maior lentidão na aprovação de projetos também seguraram os lançamentos.
O plantão de vendas tem efeito principalmente sobre o mercado de médio e alto padrão, que atende mais famílias, e onde a demanda é menos urgente. Ainda assim, quem trabalha com esse segmento está otimista.
Na Cyrela, a alta de 13% nos lançamentos foi puxada pelo segmento econômico, mas o alto padrão também cresceu. Segundo prévia de resultados, as vendas líquidas subiram 7,4% no ano. Na comparação trimestral, a alta foi de 34%.
Quando 2020 começou, a Benx estava preparada para um ano excepcional. Seis anos depois de a obra do megaempreendimento Parque Global ter sido interrompida, o complexo seria lançado em 16 de abril. Veio a pandemia e paralisou os planos.
Em outubro, o plantão de vendas foi aberto. “O que a gente montou não foi um estande de vendas, mas uma mostra de arte, uma experiência”, disse Luciano Amaral, diretor-geral da Benx.
“Quando foi lançado da primeira vez e tivemos que paralisar, nossa estratégia foi de nos superar. Sabíamos que era um risco muito grande e tínhamos que acertar de primeira”, disse.
O esforço parece ter funcionado. Em dois meses, as duas torres chegaram a 90% dos apartamentos vendidos. Cerca de 75% dos compradores são famílias; os outros eram investidores em busca de diversificação, segundo Amaral.
Até agora, a receita do Parque Global –o VGV (valor geral de venda), no jargão do mercado– está em R$ 800 milhões. O megaprojeto deu à Benx o melhor resultado de sua história.
A boa aceitação no mercado levou a empresa a antecipar para fevereiro o lançamento da próxima torre, programado para setembro. Para o incorporador, as condições continuam muito favoráveis para o mercado de imóveis.
“Com esses juros e o fato de as pessoas perceberem que precisavam de mais espaço, o setor vai crescer”, disse.
E quem não pode ir para um imóvel maior, buscou um melhor, segundo Antonio Setin, presidente da incorporadora que leva seu sobrenome.
O empresário diz acreditar em uma melhora na interlocução do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) com o Congresso para aprovação de reformas, vistas por ele como fundamentais para estimular investimentos.
Para ele, as condições econômicas são favoráveis para um crescimento no negócios. Na última semana, a Setin colocou no mercado seu maior lançamento em 2021, um edifício de uso misto em Pinheiros, em linha com a estratégia da empresa de diversificação –há lajes corporativas, estúdios e apartamentos de até 176 metros quadrados.
No caminho do crescimento em 2021, empresários apontam os preços de insumos. Há ainda preocupação com a pandemia, mas o início da vacinação acalma os ânimos.
Até janeiro, o INCC-M, espécie de inflação do setor, subiu 9,39%. A maior pressão vem dos materiais, com alta de 16,86%.
Para Setin, o mercado está assimilando os aumentos. “Tomei um susto”, disse. “Mas eu sou um liberal, entendo que a lei de mercado é soberana.” Como havia estoque, os preços finais ainda não subiram.
O diretor de engenharia técnica da Direcional, Rafael Valadares, prevê que a cadeia de abastecimento se equilibre nos próximos meses. Segundo ele, a variação de preços está sendo diluída entre cerca de 100 itens e não chega ao valor do imóvel.