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Fundo imobiliário pode sofrer com escassez de ativo

03/09/2019 / Categorias Mercado imobiliário , Economia

(Valor Econômico – Finanças – 03/09/2019)

Sérgio Tauhata

A euforia com o ano estelar dos fundos imobiliários tem nublado a atenção do mercado para uma eventual intempérie que começa a se formar. Com o ritmo acelerado de crescimento dos portfólios, pode começar a faltar ativo de qualidade para comprar.

Roberto Patiño, diretor de transações da JLL, classifica como muito forte a busca dos fundos imobiliários por ativos em meio a uma profusão de novas captações. O executivo compara os investidores institucionais com "ursos que hibernaram por três anos e, agora que acordaram, estão com muita fome".

Segundo o especialista, o problema que começa a surgir não está relacionado ao tamanho do mercado brasileiro de fundos imobiliários, ainda muito pequeno e, portanto, com espaço para crescimento, mas à velocidade com a qual novos e antigos participantes estão indo às compras. A falta de edifícios "triple A" e outros espaços comerciais de alto padrão começa a ser sentida devido a um conjunto de particularidades do atual ciclo.

Há um descompasso entre a entrega de novos projetos e a aceleração da demanda, uma vez que as incorporadoras só recentemente retomaram os lançamentos - o prazo de entrega demora pelo menos três anos. Além disso, a recuperação tem sido concentrada nas regiões Sudeste, que reúne o principal conjunto de imóveis de alto padrão do país, e no Centro-Oeste, com o impulso do agronegócio.

No caso do segmento "premium" do mercado imobiliário comercial, a virada pode ser observada basicamente nos grandes polos de negócios da capital paulista. Segundo levantamento da JLL relativo ao segundo trimestre, Itaim, Vila Olímpia e as áreas das avenidas Faria Lima e Juscelino Kubitscheck já apresentam disponibilidade de espaços para locação abaixo de 10%. No caso da JK e do Itaim, o índice está em patamar extremamente reduzido, em 1,9% e 2%. Na Faria Lima e Vila Olímpia, o indicador alcança 8,9% e 8,3%. A média da cidade de São Paulo é de 19,2%.

Segundo Juliana Mello, sócia-diretora da securitizadora Fortesec, hoje, mais de dois terços da demanda dos fundos imobiliários após as emissões têm sido por papéis lastreados em recebíveis imobiliários, justamente porque o risco dos tijolos cresceu. "Temos visto uma oferta atrás da outra e a falta de ativos reais 'premium' tem levado os fundos a buscar títulos." O gargalo, afirma, tem levado a uma verdadeira "guerra por papéis".

Juliano Coracchia, CEO da Vórtx, que administra 23 fundos imobiliários, também aponta uma possível escassez de edifícios de alta qualidade para aquisição pelos portfólios imobiliários nos próximos meses. Segundo o gestor, a maioria dos fundos de tijolos, que investe em propriedades, sempre esteve focada na compra de lajes comerciais 'triple A', mas estes são escassos. "Para o final de ano vai começar a ser um problema, é provável que a gente tenha mais captação do que ativo disponível."

Para Dani Ajbeszyc, executivo-chefe financeiro da GLP Brasil, já existe escassez maior de produtos de qualidade na capital paulista na área de logística, uma das mais aquecidas. Segundo ele, em algumas regiões no entorno de São Paulo, começa a faltar ativos com um movimento de empresas se antecipando ao ciclo de crescimento.

No cenário de juro na mínima histórica, a expansão do mercado de fundos imobiliários no Brasil acelera desde o ano passado, quando vários recordes foram batidos. E 2019 aponta para um ano ainda melhor. De janeiro até julho, o volume de novas emissões do segmento já alcança R$ 12,8 bilhões, 37,6% acima do visto no mesmo período de 2018, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). O montante acumulado em sete meses está a pouco menos de R$ 2 bilhões do recorde histórico de R$ 14,7 bilhões captados pelos em 2018.

De acordo com dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) existem, até o momento, mais R$ 7 bilhões em 17 novas operações registradas na autarquia até 28 de agosto. Se todas forem efetivadas, o movimento levaria o volume para perto da casa dos R$ 20 bilhões.

A liquidez também saltou: em julho a negociação no mercado secundário dos fundos imobiliários listados na B3 atingiu R$ 2,695 bilhões, nova marca histórica nessa base. Mas não foi a primeira vez que o volume negociado superou os R$ 2 bilhões: em junho o giro já havia sido de R$ 2,232 bilhões. Com isso, a média mensal em 2019 subiu para R$ 1,75 bilhão. A cifra representa crescimento de 87,4% em relação ao volume médio negociado por mês no ano passado.

Dados da B3 mostram ainda que a quantidade de investidores de fundos imobiliários listados alcançou no mês passado 390.667, na maioria pessoas físicas. A quantidade mais que dobrou em relação aos 166.500 de julho de 2018.

Mas a expansão quase exponencial do segmento não para por aí. Em termos de valor de mercado, os 186 fundos listados na B3 atingiram a marca inédita de R$ 70,1 bilhões em julho. Desde janeiro, com exceção apenas de abril, quando os valores ficaram praticamente iguais, o valor de mercado supera o patrimonial (da carteira de imóveis), em uma situação inversa à que perdurou desde 2014. O Índice de Fundos Imobiliários da B3 (Ifix) acumula alta de 13% em 2019 até 2 de setembro.

O novo recorde de captações mostra que o mercado mudou muito, especialmente de 2018 para cá. "Há dois anos, havia fundo que nem conseguia captar o volume pretendido, que tinha subscrição de 60% da oferta e às vezes menos", diz Juliana, da Fortesec. "Hoje grande parte das novas emissões tem rateio [quando a demanda excede a quantidade de cotas ofertadas]", acrescenta.

O número de ofertas subsequentes (follow-ons) nos últimos três meses, segundo dados do site Clube FII, supera em mais de 50% o de lançamentos. Há diversas carteiras que estão em sua quinta ou sexta emissão, caso do Fator Verità, do CSHG Recebíveis Imobiliários e do CSHG Logística. O fundo de papéis da CSHG chegou a fazer duas captações em 2019. A quinta emissão ocorreu em maio, no valor de R$ 158 milhões, e a sexta em julho, de R$ 550 milhões.

O presidente da Habitat Capital Partners, Eduardo Malheiros, acredita que, apesar do crescimento quase exponencial do segmento de FII, o mercado vai encontrar formas de se ajustar. "O mercado ainda é pequeno, se comparado com o de outros países, e os gestores tendem a buscar diversificação em ativos que hoje ainda estão fora do radar", diz. O gestor cita o exemplo do mercado americano de "real estate investment trust" (Reit), veículo equivalente aos FII brasileiros. "Lá existem portfólios especializados, por exemplo, em aluguel de torres de celular", pondera.

O sócio e diretor de relações com investidores e compliance da Fortesec, Marcelo Yazaki, acrescenta que os portfólios nos EUA atingiram alto grau de especialização. "Existem reits com estratégias muito específicas, conheço um que só investe em lojas de varejo de esquina em Manhattan [em Nova York]", conta.

Para o gestor, o mercado brasileiro ainda precisa se desenvolver muito até chegar à diversificação do setor nos EUA, que exibe um valor de mercado de US$ 1 trilhão. Segundo Yazaki, uma tendência do momento doméstico atual é o aumento do número de fundos híbridos, ou seja, que podem investir tanto em ativos físicos quanto em papéis. "Acho que esse é um desenvolvimento natural, mas que está atrelado ao crescimento e sofisticação do segmento no país."

Malheiros, da Habitat, ressalta ainda que o ambiente de juros baixos tende a incentivar um olhar de mais longo prazo para os FIIs. "Isso pode incentivar a expansão de estratégias de desenvolvimento, voltadas a financiar projetos desde o início", diz. O gestor chama a atenção para o crescimento da gestão ativa, hoje dominante entre os FIIs, e o surgimento de casas especializadas na gestão de ativos imobiliários. "É uma grande mudança em relação ao mercado de antes da crise, que tinha predominância de carteiras monoativos."

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