Apesar das recentes facilidades na cobrança de inadimplência condominial – desde 2016, ela pode ser feita judicialmente por ações de execução, que proporcionam um desfecho mais rápido a esses casos – empresas denominadas “garantidoras” entram, aos poucos, no mercado paulista, com atuação principalmente no interior. Há ao menos 15 empresas com este modelo de serviço no Estado.
Elas podem atuar de dois modos distintos: adquirindo à vista a carteira de inadimplência do condomínio ou oferecendo o serviço de antecipação de receita condominial, também chamado de cobrança garantida. Em ambos os casos, é feito um contrato de cessão de créditos do condomínio para a empresa contratada.
Na primeira opção, a empresa compra, com desconto, todos os boletos condominiais em aberto. Por exemplo, se um condomínio deixou de receber, em três anos, R$ 100 mil reais de moradores inadimplentes, a garantidora propõe adquirir a dívida, pagando em torno de 70% do valor total, incluindo multas, juros e correção. Neste caso, o condomínio receberia R$ 70 mil em sua conta. Em contrapartida, a garantidora fica responsável por fazer toda a cobrança, seja ela extra ou judicial, e receber o valor devido.
“O preço não é fixo e há uma proposta distinta para cada cliente. Se é uma inadimplência mais fácil de ser recuperada, o porcentual é melhor (para o condomínio)”, diz Hadan Palasthy, sócio-diretor da CreditCon. O empresário afirma que sua empresa deverá investir R$ 20 milhões, até o final do ano, na aquisição desse tipo de débito.
No segundo modo de atuação, a garantidora adianta, mensalmente, a receita do condomínio, mediante uma taxa de serviço cobrada em cada boleto. Outro caso hipotético: se o empreendimento tem 100 unidades e cada uma delas paga por mês R$ 300 de cota condominial, a garantidora deposita, no caixa do cliente, R$ 30 mil a cada trinta dias. Neste modelo, ela também é responsável por cobrar e receber dos devedores.
“Como não precisamos do dinheiro no curto prazo, conseguimos fazer parcelamentos e oferecer mais meios de pagar”, diz Marcelo Bernartt, sócio-diretor da Solução Condomínios. A empresa atende 12 mil unidades condominiais. Segundo o empresário, a garantidora chega a movimentar até R$ 10 milhões de reais ao mês.
A coordenadora do Procon-SP, Renata Reis, pede atenção à forma como essa cobrança é feita. Apesar de o órgão não ter recebidos reclamações específicas desses serviços, a experiência com empresas que atuam de forma semelhante, como aquelas que compram dívidas de cartão de crédito, por exemplo, é negativa. “A atuação é feita com falhas e sem informação.”
Renata ressalta que, no Estado, as leis 14.953 e 15.426, ditam as normas de cobrança. “Não pode haver constrangimento do devedor. Não é permitido ligar (para o devedor) fora do horário comercial, tem de informar como a dívida foi calculada, a taxa de juros, o tipo de multa.”
A síndica Clara Pontes, de 32 anos, administra o Residencial Recanto das Amoras, em Sorocaba. Lá, a taxa de inadimplência estava em torno de 35% quando a garantidora foi contratada, há três anos. Hoje, cada uma das 128 unidades paga, mensalmente, 7% do valor do condomínio, que custa R$ 205, como custo de serviço pela cobrança garantida.“As pessoas não entendem que, em um condomínio, existem deveres. Sem dinheiro, não conseguimos gerenciar”, afirma Clara.
Uma crítica feita ao serviço das garantidoras é de que todos os moradores pagam a taxa mensal. Dessa forma, aqueles em dia com o condomínio estariam sendo cobrados injustamente. Em São José do Rio Preto, porém, foram os adimplentes os mais interessados na contratação da garantidora pelo Residencial Colorado, onde o advogado Guilherme Micelli Neto presta assistência jurídica.
“A inadimplência era de 22%. Em consequência, o condomínio precisava considerar esse déficit na composição do rateio mensal, a fim de arcar com todas as obrigações de custos. E isso se traduzia em um valor de cota mais caro aos moradores.”
O público desse serviço é amplo, mas é mais frequente entre empreendimentos de classe média baixa. Segundo a garantidora Solução, condomínios do programa Minha Casa, Minha Vida estão entre os que mais fazem negócio.
Legalidade. A legalidade da prática também é questionada e há quem aponte a atividade como agiotagem. A professora de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Rachel Sztajn acredita que esse mercado deveria ser regulamentado pelo Banco Central, uma vez que trata de uma antecipação de receita. Ela, no entanto, afirma: “Apesar de tudo, não vejo o processo como usura ou agiotagem”.
Para Palasthy, da CreditCon, a visão de que se trata de agiotagem existe porque há empresas que atuam de maneira ilícita, cobrando taxas acima do estabelecido pelo Código Civil, que determina aplicação de multa de 2% e juros de 1% ao mês, além de correção monetária para os débitos condominiais.
Bernartt, da Solução, concorda com Palasthy e fala em promover a cobrança “do bem” para acabar com o modelo extorsivo. “O mercado deveria ter regulamentação própria, para minar as empresas que usam do poder de contrato para extorquir.”
Sem regulamentação, há insegurança a respeito da contratação dessas empresas. O Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP) vê a prática com cautela. “O Secovi não pode interferir, mas é um risco que não aconselhamos”, diz o vice-presidente de Administração Imobiliária e Condomínios da entidade, Hubert Gebara.
A professora Rachel, mesmo não vendo o serviço como agiotagem, acredita que a compra da inadimplência é incorreta, uma vez que a legislação já prevê mecanismos de cobrança específicos para tais débitos.
“O que me incomoda é que, ao reunir em um pacote as dívidas dos condôminos, acabarão usando recursos de alguns para comprar dívidas novas de outros condôminos, tal como os fundos ‘abutres’ – que vivem da dificuldade financeira alheia.”