(Valor Econômico – Economia – 09/10/2020)
Isabel Filgueiras
Financeiramente, viver de aluguel vinha sendo uma alternativa mais vantajosa que contrair uma dívida de longo prazo para comprar um imóvel. Claro, existem outras questões além dos números. Mas pelas contas costumava ser assim. Só que veio a pandemia e o cenário mudou.
De um lado, os juros do financiamento imobiliário nunca estiveram tão baixos. De outro, a inflação medida pelo Índice Geral de Preços-Mercado (IGP-M), que reajusta os contratos de aluguel, chegou ao maior patamar acumulado dos últimos 17 anos.
Em setembro, a inflação medida pelo IGP-M subiu 17,94% em 12 meses. Quem faz aniversário de contrato este mês fica sujeito ao reajuste.
Isso é um ponto negativo para o aluguel, que se torna mais imprevisível. A oscilação acentuada do indicador acontece porque o dólar e as commodities, como trigo, ouro, petróleo, têm um peso muito grande no cálculo do IGP-M, usado para corrigir 90% dos contratos de locação.
E com a Selic a 2% ao ano, a rentabilidade das aplicações mais conservadoras também não é a mesma, o que acaba tornando a compra de imóveis mais atrativa do que deixar o dinheiro em renda fixa atrelada ao CDI, por exemplo.
"Quem tiver num aluguel que não conseguiu negociar e, para continuar na residência atual tem que pagar 18% de aumento, tem incentivo forte para sair desse aluguel. Ir para o financiamento ou não é uma outra questão", diz Danilo Igliori, economista-chefe do Grupo ZAP, de anúncios imobiliários, e professor de economia da Universidade de São Paulo (USP).
E e aí? Diante de tudo isso, vale a pena trocar aluguel por financiamento?
Quando a resposta é 'não'
Vamos com calma. Sair do aluguel somente por conta da volatilidade e alta temporária do IGP-M pode ser um erro.
Antes de falar numa decisão mais radical como trocar o aluguel por um financiamento, vale destacar que é possível negociar o contrato para que ele não sofra reajustes tão bruscos.
O reajuste pelo IGP-M só vale para o acumulado de 12 meses até o mês do aniversário de contrato que prevê o uso deste indicador. O índice tanto sobe quanto desce e chega até a ficar negativo (deflação). Aliás, ele só começou a disparar nos últimos três meses.
Um dos argumentos para usar na negociação é que a volatilidade também traz risco para o proprietário. Não há nada que obrigue os contratos a serem corrigidos pelo IGP-M. É possível concordar numa correção por índices mais próximos ao mercado imobiliário como o Índice Geral de Preços Imobiliários – Comercial (IGMI-C) ou FipeZap, que variou 3,75% em 12 meses, mais que o IPCA e bem menos que o IGP-M.
"Não faz menor sentido o IGP-M continuar sendo o indexador de aluguel. O ideal seria tirar o IGP-M. Dólar não tem a ver com o mercado de habitação. O ideal seria você pegar um índice de preços mais próximo da realidade. Temos o índice Fipezap, que já tem 10 anos e monitora preços de imóveis em várias capitais", responde o economista do Grupo Zap.
A ideia de ter um indexador nos contratos é uma herança do tempo da hiperinflação, por isso é comum no Brasil. Mas a correção deve ser apenas uma ferramenta para evitar prejuízos e tornar o negócio mais equilibrado entre proprietário e locatário, defende Igliori. Ou seja, reajustar o preço dos aluguéis em quase 20%, num momento de crise econômica global por causa da pandemia, é no mínimo questionável.
Há ainda a alternativa de apenas negociar para que o reajuste de aluguel seja mais suave, não seja corrigido pelo IGP-M na integralidade ou que sequer seja aplicado.
Cabe somente ao proprietário aplicar ou não o que está previsto em contrato. Ele tem, sim, o direito de cobrar a alta do IGP-M, seja ela qual for. Mas deve lembrar que a correção pelo índice é uma via de mão dupla. O marcador também pode ficar negativo e contar contra ele.
"Nos casos em que isso ocorre, o reajuste também é aplicado automaticamente, o que resulta numa diminuição no valor do aluguel. O proprietário também tem o direito de negociar que o índice não seja aplicado, para evitar a redução. Nesse caso, porém, apenas o inquilino tem poder para aceitar a não aplicação do reajuste", diz Jonas Marchetti, diretor de crédito da imobiliária QuintoAndar.
Por quais outros motivos pode não valer a pena fazer a troca?
Por mais que seja tentador assumir um financiamento mais barato para comprar um imóvel, em tempos de Selic a 2%, deixar se levar pelo momento pode ser furada para quem não tinha intenção de comprar imóvel no curto ou médio prazo.
Tomando como exemplo alguém que tem o valor de entrada do imóvel investido: pode não ser um bom momento para mexer em aplicações mais voláteis, como aquelas de longo prazo e as que sofreram perdas durante a crise
Resgatar aplicações num momento não planejado pode trazer prejuízos.
Além disso, a decisão de comprar um imóvel envolve um valor de entrada alto, gastos não só com a compra, mas com documentos e impostos. Talvez tudo isso considerado na conta não traga exatamente uma economia.
Também não vale a pena trocar o aluguel por um financiamento de imóvel que não atenda às suas necessidades, só porque "o crédito está mais barato". Isso não é a mesma coisa que comprar uma sandália preta nova que está numa super promoção, mesmo você não precisando tanto dela neste momento.
Em resumo, aqui vão algumas das desvantagens de sair do aluguel para o financiamento:
Seu dinheiro deixa de render, mesmo que em aplicações de baixo retorno;
Você passa a pagar juros para o banco, mesmo que eles estejam historicamente baixos;
Você terá uma dívida de longo prazo, na ordem de 10, 20 ou 30 anos;
Talvez tenha de resgatar da aplicação o valor de entrada do imóvel sem planejamento e isso pode gerar perdas.
Na ponta do lápis
Se mesmo depois de todos esses argumentos, você ainda está na dúvida, pergunte aos números o que fazer.
Simule o valor das prestações do financiamento e compare com o que gastaria no aluguel. Se a parcela for muito mais alta que a locação, você vai aumentar os seus gastos mensais e arrisca desequilibrar o orçamento.
Outra alternativa para saber se está pagando muito ou pouco de aluguel é usar uma regra geral de investimento e retorno. Segundo Brum, quando o consumidor paga mais de 0,5% do valor do imóvel por mês em aluguel, já dá para começar a pensar num financiamento.
Isso porque o custo do aluguel fica em torno de 6% ao ano. Considerando que você faça um financiamento com uma taxa de juros de 6,5% ao ano, você estaria pagando o equivalente em juros do que paga em aluguel, mas para adquirir um imóvel, um bem.
A economista diz ainda que é importante considerar o potencial de valorização do imóvel ao longo do tempo. Se ele for superior a taxas de juros de aplicações do mercado financeiro, por exemplo, a Selic que está em 2% ao ano, comprar também acaba sendo interessante, já que você ganhará com aquele bem mais do que ganharia estando com aquele dinheiro aplicado. O problema é que não dá para prever nem a valorização do imóvel nem em quanto estará a taxa de juros daqui a 20 anos.
Para se ter uma ideia, de acordo com a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), nos últimos 15 anos, a média de valorização dos imóveis no Brasil foi de 9,4% ao ano, um senhor percentual considerando os juros atuais de 2% ao ano. Mas a apreciação do bem que você vai comprar depende de diversos fatores, inclusive externos, como melhorias no bairro, chegada de metrô ou taxa de criminalidade na região.
Quando a resposta é 'sim' - vale a pena
A coisa muda de figura se você já tinha planos de ter um imóvel. Ou se começou a cogitar a compra com a chegada da pandemia. Nestes casos, o momento pode ser bem propício para a compra.
Há cinco motivos principais para partir para a trocar do aluguel pelo financiamento se isso já estava nos planos:
As taxas do financiamento caíram bastante;
A queda da taxa aumenta o poder de compra: você passa a poder financiar imóveis de valor maior que antes, maiores ou com localização mais privilegiada;
Está mais difícil fazer o patrimônio crescer em aplicações conservadoras;
Renda variável oferece boas chances de rentabilidade para o dinheiro que seria usado na entrada da compra do imóvel, mas exige conhecimento e apetite para o risco;
Os preços, conforme indicadores como o FipeZap, apontam que os preços ficaram estagnados nos últimos anos e mal acompanharam a inflação.
O preço do imóvel vai subir muito no Brasil, diz empresário
"O momento está muito propício para comprar, do ponto de vista financeiro. A queda da Selic foi acentuada, estamos num patamar historicamente baixo. As taxas do financiamento imobiliário também reduziram bastante. Essas duas coisas incentivam. Ficou barato financiar o imóvel", afirma Igliori, do Zap.
As taxas do financiamento imobiliário começam a partir de 2,95%, em linhas atreladas ao IPCA, e de 6,5% em diante para aquelas que seguem a Taxa Referencial
Se antigamente era possível aumentar o patrimônio com alguma facilidade devido o patamar alto da Selic, hoje isso está mais difícil de atingir. Não há como escapar do risco para aumentar a rentabilidade, seja ele no mercado financeiro, seja no mercado imobiliário.
O dinheiro da entrada da compra do imóvel rende cada vez menos com a Selic a 2%. Se optar por não comprar um imóvel e quiser ver o patrimônio crescer, o investidor precisa apostar em aplicações de mais risco ou de maior prazo.
"No cenário não tão distante, a Selic num patamar acima de 10% propiciava uma situação na qual compensava aplicar o dinheiro e com a rentabilidade pagar o aluguel, e ainda sobrava uma parte relevante do rendimento", pontua Brum, da Toro.
A economista completa: "Já no cenário atual, a Selic em mínimas históricas, somada ao IGP-M alto, faz com que o aluguel se torne uma despesa mais pesada, pois a rentabilidade das aplicações de renda fixa, em média, já não conseguem superar tão bem os custos com os aluguéis".
Preço dos imóveis
Outro ponto que conta a favor da compra de um imóvel é que os preços deles tiveram um período de estagnação em que mal acompanharam a inflação. Mas pode haver uma alta de agora em diante.
"É importante lembrar que a demanda do setor imobiliário tende a crescer mais rápido que a oferta. Não é de se estranhar que os preços aumentem de agora em diante", afirma Igliori, do Grupo Zap. Isso ocorre porque um empreendimento da construção civil demora para ser entregue. E com a pausa dos lançamento nos últimos anos, há menos imóveis a disposição. Ou seja, a hora de comprar pode ser agora ou cale-se não para sempre, mas por um bom tempo.
Segundo a Abrainc, em 2019, o déficit habitacional no Brasil ficou em 7,797 milhões de moradias.
Para Marcelo Dadian, diretor de Imóveis da OLX Brasil, as buscas por imóveis vêm disparando, pelo menos segundo aponta a plataforma. Portanto, a tendência é de que haja cada vez mais gente querendo financiar.
As taxas mais baixas fazem com que mais gente tenha acesso ao crédito imobiliário, porque as parcelas também menores comprometem menos a renda e, no longo prazo, se aproximam do valor do aluguel.
É regra: o financiamento só pode ser aprovado se as parcelas não comprometerem mais de 30% da renda dos consumidores. O mecanismo serve para prevenir o endividamento e reduzir os riscos de calote.
Só que, com os juros mais baixos, as parcelas caem e o consumidor acaba tendo a possibilidade de financiar imóveis mais caros, que antes não conseguiria ter o financiamento liberado. Mais uma vantagem de comprar agora.
A pandemia, segundo Dadian, acabou acelerando os planos de quem já queria adquirir um imóvel. "As pessoas repensaram suas relações com o morar. De repente alguém que queria uma reforma, teve que ficar olhando muito tempo para algo que desagrada no imóvel alugado, finalmente decidiu fazer a compra. Também tem os que perceberam que precisavam de mais espaço. E com 'home office', há ainda os que avaliaram que podem morar mais longe do centro", diz ele.
É claro, que, no fim da contas, não é só a matemática que define a decisão de comprar ou alugar. Por mais que ela seja importante, há ainda o que vale para a pessoa, ter um valor mais previsível para moradia, poder fazer os ajustes que quiser na casa própria, se fixar num determinado bairro.
Ou o contrário: aproveitar a flexibilidade que o aluguel pode trazer. Com a chance de trocar de contrato de acordo com a renda, de poder mudar de região com mais facilidade e também não se sentir bem em contrair uma dívida por tantos anos.
Seja qual for sua motivação para comprar ou alugar, nunca deixar de fazer as contas, considerar sua estabilidade de renda no longo prazo e avaliar cada um dos prós e contras citados aqui.