Após três anos de elevada retração, o mercado brasileiro de cimento - insumo vinculado às atividades de construção imobiliária e infraestrutura - ainda deve amargar alguns meses de declínio no consumo, antes de sentir, de fato, a reversão da crise. "Uma efetiva recuperação da demanda somente virá no segundo semestre", disse Paulo Camillo Penna, presidente do Sindicato Nacional da Indústria de Cimento (SNIC), ao Valor.
A entidade que reúne as fabricantes de cimento instaladas no Brasil estima para este ano aumento de 1% a 2% nas vendas, ainda muito pouco para compensar o longo período de encolhimento do consumo. No ano passado, o volume vendido recuou 6,4%, para 53,8 milhões de toneladas, em linha com a expectativa traçada pelo SNIC, de queda de 6%.
Desde o auge de consumo de 71 milhões em 2014, após quase uma década de exuberância para o setor cimenteiro do país, a venda do insumo encolheu 24,2%. Isso significa que a demanda por cimento caiu quase um quarto desde o volume máximo atingido pelo país, que chegou a ser o quarto maior consumidor de cimento do mundo. No ano passado, já tinha caído para sétimo, e o consumo per capita para 261 quilos por habitante ao ano.
Penna observa que a desaceleração da queda, a partir de 2017, se deve muito ao consumidor de varejo, conhecido como formiguinha ou autoconstrutor. Sua participação no volume comercializado passou de 52,5%, em 2014, para 63,8% no ano passado. Ao mesmo tempo, concreteiras, construtoras e empreiteiras viram suas fatias decrescerem. Já o segmento de pré-fabricados e outros ficou estabilizado, com ligeira alta.
Apesar das turbulências de 2017, na economia e na política do país, a retração do consumo ficou 40% inferior à de 2016, quando bateu em 11,5%. O consumo aparente (venda doméstica mais importação) teve desempenho similar e somou 54,2 milhões de toneladas.
Depois de quatro meses seguidos de aumento nas vendas, desde agosto, em dezembro foi registrada queda 6,4% ante um ano atrás, em 4 milhões de toneladas.
Por causa de alguns fatores em curso que atingem o setor, Penna aponta que a demanda no primeiro trimestre ainda terá impacto negativo. Um deles é o elevado estoque de imóveis prontos existentes tanto em poder de bancos como das próprias incorporadoras, em decorrência dos distratos. Isso tende a avançar pelo período de abril a junho.
Além disso, o executivo menciona que a Caixa Econômica Federal - principal agente de crédito imobiliário do país -, ainda precisa enquadrar seu capital às regras de Basileia para continuar liberando recursos à habitação. O setor imobiliário aguarda ainda a regulamentação da Letra Imobiliária Garantida (LIG), um novo mecanismo de financiamento.
"São questões que devem ser sanadas ao longo deste semestre, surtindo efeitos na demanda de cimento a partir de julho", diz. Por isso, na primeira metade do ano, as encomendas do insumo serão puxadas pelas revendas. A partir de julho, as construtoras devem também participar do movimento de retomada.
Outro vetor importante para as cimenteiras é o setor de infraestrutura. Apesar de prometidos no início do governo de Michel Temer, a retomada de obras inacabadas e o lançamento de novos projetos não saíram do campo das intenções.
Para Penna, se não for adotada política de governo que promova a retomada da construção e de obras de infraestrutura, o setor cimenteiro ainda vai conviver com um cenário de incertezas. "Grande parte das empresas, diante da elevada ociosidade em suas fábricas, vem operando com resultado operacional negativo", afirma. Há uma queima de capital no setor, que encerrou 2017 com ociosidade de 46%. "Temos 13 fábricas fechadas, seis delas em São Paulo."
Na opinião do dirigente do SNIC, o "rubicão", ou seja, obstáculo, pela frente serão as eleições desde ano. "Ainda assim sou otimista, apesar das incógnitas na eleição presidencial, que é determinante para o futuro do país."
O setor traçou três cenários para 2018. Um pessimista, com retração de 1% no consumo, porém trabalha com o moderado, de 1% a 2% de alta. O terceiro, considerado otimista, projetou 3% de aumento. Para voltar ao patamar de 2014, crescendo 3% ao ano, seriam necessários sete anos. Espera-se, no entanto, que não demore tanto e que a retomada seja robusta.
Os indicadores econômicos fundamentais ao negócio são ganhos de renda, inflação baixa, emprego, economia em expansão firme, crédito para habitação e programas de infraestrutura.
Por outro lado, lembra que as empresas convivem com preço médio do cimento em queda, enquanto tiveram forte elevação. No triênio 2015-2017, diz que o valor do produto recuou 13,7%. Já o frete subiu 21,6%, a sacaria (papel e celulose), 25,8%, o coque de petróleo, que é importado, 51%, e a energia elétrica, 47,1%. Eletricidade somada ao coque responde por metade do custo de produção do cimento, informa Penna.