Uma batalha jurídica que se arrasta há 24 anos finalmente se aproxima de um desfecho. Instituições financeiras e poupadores chegaram ontem a um acordo sobre a indenização que será paga aos clientes pelas perdas acarretadas pelos planos econômicos nas décadas de 1980 e 1990. O Estadão/Broadcast apurou que o valor das indenizações será um pouco superior a R$ 10 bilhões para mais de 1 milhão de ações judiciais.
Terão direito ao ressarcimento os poupadores que integram as ações coletivas representadas no acordo. Quem ainda não faz parte dessas ações e reclama indenização poderá aderir, num prazo ainda a ser divulgado. Mas terá de apresentar todas as comprovações exigidas e retirar eventual ação isolada. As ações individuais não farão parte do acordo; continuarão tramitando na Justiça.
Após diversos encontros nos últimos meses com poucos progressos, o entendimento entre as partes foi alcançado na tarde de ontem, depois quase sete horas de reunião na Advocacia-Geral da União (AGU). Na semana que vem, a minuta deve ser enviada ao Supremo Tribunal Federal, que dará a palavra final.
Os detalhes não foram divulgados oficialmente por causa da necessidade dessa homologação. As partes temem que a divulgação prévia dos detalhes seja questionada legalmente. Em nota, a AGU limitou-se a informar que houve consenso sobre “as condições financeiras norteadoras do acordo que encerrará as disputas judiciais relativas aos planos econômicos”.
A ideia é que a minuta do acordo seja concluída na próxima semana e encaminhada imediatamente ao Supremo. Se o calendário previsto na reunião entre bancos e poupadores for confirmado, o acordo pode ser firmado oficialmente ainda este ano.
Os valores das indenizações sempre foram envolvidos em muita polêmica e discrepância. A Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) já chegou a citar a necessidade de desembolso de até R$ 341 bilhões, o que inviabilizaria a operação. Mas os bancos chegaram à reta final oferecendo cerca de R$ 8 bilhões.
Já as instituições de defesa do consumidor chegaram a calcular cifra próxima de R$ 100 bilhões, mas reduziram valores para montantes que variavam de R$ 18 bilhões a R$ 26 bilhões.
Os clientes questionavam o procedimento adotado pelos bancos para remunerar as cadernetas após o anúncio dos planos Bresser (1987), Verão (1989), Collor I (1990) e Collor II (1991). A cada pacote de medidas para tentar controlar a inflação, havia mudança na remuneração das cadernetas e muitos clientes acabaram sendo prejudicados.
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e as entidades que representaram os poupadores não se pronunciaram.
Expectativa. A notícia sobre um acordo entre bancos e poupadores trouxe esperança para quem está há anos lutando para receber a correção dos planos econômicos. Mesmo sem saber o cronograma do pagamento, eles comemoraram a sinalização dada ontem. “Imagino que solucionanda a questão das ações coletivas, a minha também será resolvida”, afirma Gregório Robles Novas, de 85 anos.
Ele aguarda há cerca de dez anos uma definição sobre duas ou três contas que tinha no Itaú. “Acompanho de perto e nunca perdi a esperança de receber o dinheiro”, diz ele. O aposentado, que preferiu entrar na Justiça com uma ação individual, já conseguiu receber uma quantia de uma aplicação que tinha no Bradesco. Sobre o destino do dinheiro, ele prefere receber primeiro antes de fazer planos.
“Já tenho 85 anos. Se não receber logo, as minhas filhas é que ficarão com o dinheiro. Então não dá pra fazer planos”, brinca ele, que ainda teme pela palavra final do Superior Tribunal Federal (STF). Mesma apreensão tem a comerciante Maria Luiza Arbez, de 54 anos. Há pelo menos oito anos ela tenta recuperar o dinheiro que seu pai, morto em 1999, tinha em um poupança no Bradesco entre o final dos anos de 1980 e o começo de 1990.
Ainda sem resposta, o processo já chegou à última instância e daria direito a Maria Luiza de receber um montante hoje correspondente a quase R$15 mil. “Entrei com a ação assim que vi que havia possibilidade de recuperação desse dinheiro, mas sempre houve mudanças em torno da correção.” Ela conta que o pai, também comerciante, entrou em depressão meses depois de ter sua poupança confiscada pelo governo durante o plano Bresser, em 1987. “Ele ficou muito mal por causa dos compromissos financeiros, pois tínhamos três lojas e funcionários para pagar.” Com o processo ainda em aberto, ela espera conseguir a indenização após o acordo entre os bancos e os representantes dos poupadores.
Aposentadoria. O consultor Hugo Macmillan Thomson, de 63 anos, já tem planos para o dinheiro da indenização: vai direto para uma aplicação para complementar a aposentadoria. “Desde 2014 estou sem emprego com carteira assinada. De lá para cá, só tenho conseguido contratos de trabalho por tempo determinado”, diz ele, explicando que o dinheiro seria muito bem-vindo. Há oito anos, ele entrou na Justiça para receber a correção da poupança que antigamente era no Banco Econômico (e hoje é Bradesco).
Ele também tinha duas contas dos pais no banco Itaú. “Essas eu já recebi, em torno de R$ 3 mil.” Thomson afirma que tentou documentos de outra poupança que tinha na Caixa Econômica Federal, mas desistiu de levar o processo adiante porque a instituição não quis enviar a documentação. “Esse dinheiro me daria algum sossego.”