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Alienação fiduciária de imóveis

08/01/2018 / Categorias Mercado imobiliário

Ao longo dos 20 anos de vigência da Lei nº 9.514/1997, a alienação fiduciária de bens imóveis tornou-se importante instrumento de expansão do crédito imobiliário e vem se consolidando como um novo paradigma no sistema de garantias do direito positivo brasileiro.

Suas normas foram alteradas recentemente pelas Leis 13.043/2015, 13.465/2017, 13.476/2017 e pelo novo Código de Processo Civil (CPC), mas, não obstante, alguns vícios da redação original da lei e a falta de regulamentação de determinados atos podem comprometer sua função de garantia em relação a certas situações.

Ressalta, de plano, a isenção da obrigação de pagamento do saldo da dívida caso o produto do leilão não seja suficiente para amortizá-la integralmente, instituída pelo § 5º do art. 27 da Lei 9.514.

Ora, a dispensa de reembolso da quantia emprestada excepciona a regra geral do art. 586 do Código Civil, podendo ser socialmente justificada em determinadas situações merecedoras de tutela especial.

Disso é exemplo a Lei 5.741/1971, que confere esse benefício aos adquirentes de moradia com financiamento do Sistema Financeiro da Habitação. A Lei 9.514/1997, apesar de ter-se inspirado nessa norma excepcional, institui a isenção como regra geral, consagrando grave distorção que deve ser corrigida mediante alteração legislativa que restrinja sua aplicação exclusivamente aos financiamentos habitacionais.

Outra situação merecedora de intervenção legislativa é o procedimento de leilão de dois ou mais imóveis alienados fiduciariamente em garantia de uma mesma dívida.

Para esses casos, a regra geral é a do art. 899 do Código de Processo Civil, pelo qual o leilão se faz mediante ofertas sucessivas dos diversos bens penhorados, suspendendo-se o leilão quando pagos o crédito e as despesas da execução e entregando-se ao devedor os bens não licitados.

Essa é a lógica da execução, mas a aplicação pura e simples dessa regra à execução fiduciária impõe ao devedor fiduciante uma carga excessiva de impostos e emolumentos cartorários, justificando-se a adaptação do procedimento ao princípio da menor onerosidade da execução.

É que, na execução fiduciária, o leilão se realiza depois de transmitida a propriedade do bem ao credor, mediante consolidação, para a qual são pagos o ITBI, o laudêmio, se houver, e emolumentos ao Registro de Imóveis. Sendo o crédito garantido por propriedade fiduciária de dois ou mais imóveis, o procedimento contempla a transmissão de todos eles ao credor e depois sua oferta sucessiva no leilão. Se o produto da venda do primeiro imóvel for suficiente para o pagamento da dívida e despesas, o outro imóvel deve ser restituído ao devedor, mediante transmissão da propriedade, para a qual é exigível o pagamento do ITBI, laudêmio e emolumentos cartorários.

A situação configura uma excessiva onerosidade, que justifica a instituição de norma especial segundo a qual a consolidação da propriedade e o leilão se façam em operações sucessivas, e somente na medida do necessário. Assim, se o produto da venda do primeiro imóvel for suficiente para o pagamento, os imóveis cuja propriedade ainda não foi transmitida ao credor serão liberados ao devedor mediante simples cancelamento da propriedade fiduciária, sem a despesa de impostos.

Situação igualmente merecedora de atenção é a eventualidade de judicialização de questões relacionadas à indisponibilidade ou à penhora do direito aquisitivo do devedor fiduciante, decretada por iniciativa de seus credores quirografários, trabalhistas e fiscais.

Considerando que o objeto da constrição é o direito aquisitivo do devedor fiduciante (art. 835, XII, do novo CPC), a decretação da constrição não atinge o direito de propriedade fiduciária do credor, que, portanto, pode obter a consolidação da propriedade no seu patrimônio e promover a venda do imóvel em leilão.

Nesse caso, a identificação precisa do objeto da constrição, no ato que a decretar, ganha especial relevância quando caracterizado o inadimplemento da obrigação do devedor fiduciante, pois esse fato deflagra a expropriação do direito aquisitivo e a consolidação da propriedade no credor fiduciário, passando o devedor fiduciante a ser titular do direito de crédito correspondente à quantia excedente ao crédito em execução e às despesas.

Ocorre que, na prática, nem sempre o ato que decreta a constrição contém a indicação precisa de que seu objeto é apenas o direito aquisitivo, daí resultando a judicialização da execução fiduciária e a interrupção do seu curso até que o juízo competente explicite os limites da constrição.

A situação comporta igualmente alteração legislativa, segundo a qual a penhora e a indisponibilidade incidentes sobre o direito do devedor fiduciante não obstam a consolidação da propriedade no patrimônio do credor e o leilão, mas sub-rogam-se no direito do fiduciante à percepção do saldo que eventualmente remanescer do produto da venda.

Questões como essas agravam os danos provocados pelo inadimplemento, ao frustrar a celeridade da recuperação do crédito e onerar excessivamente a execução, evidenciando a necessidade de adaptação legislativa que torne a execução menos onerosa para o devedor e assegure a efetividade dessa garantia como elemento catalisador do crédito.

*Melhim Chalhub é membro do Instituto dos Advogados Brasileiros, da Academia Brasileira de Direito Civil e da Academia Brasileira de Direito Registral Imobiliário.

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