(Folha de S.Paulo – Economia – 26/10/2020)
Luiza Pastor
Contrariando as próprias expectativas iniciais, startups do setor imobiliário tiveram um aumento de suas carteiras no período da pandemia.
As chamadas proptechs, junção das palavras em inglês property technology, ou tecnologia imobiliária, representam apenas 1,25% das 13.307 empresas contabilizadas até hoje pela base de dados da Abstartups, entidade que reúne estatísticas do setor.
Mas o segmento já produziu dois dos 12 unicórnios nacionais, ou seja, entraram para a seleta lista das startups que atingiram valor de mercado de US$ 1 bilhão. E, durante a pandemia, passado o primeiro susto, muitas delas viram os números crescerem.
“No começo foi um susto, as pessoas de repente pararam de alugar e comprar”, lembra André Penha, cofundador do QuintoAndar. O sobressalto não foi à toa: o modelo de negócio da startup prevê que o proprietário do imóvel locado por meio da plataforma receba seu dinheiro todo mês, mesmo que o inquilino atrase.
A empresa desembolsou mais de R$ 50 milhões em alugueis atrasados no período crítico da pandemia (de abril a setembro deste ano), o que equivale a aproximadamente 25% do que já precisou cobrir desde o início do programa de Proteção QuintoAndar, que assegura a cobertura.
Mas a busca por lares que servissem também como ambiente de trabalho, e o movimento de pessoas para longe dos centros, atrás de baratear gastos com moradia, acabou revertendo o processo. Só em setembro, foram fechados mais de 6 mil novos contratos, superando patamares pré-pandemia.
Desde a primeira semana de abril até a última de setembro, houve um aumento de 184% no número de imóveis anunciados no site e no aplicativo. Já o número de buscas teve um salto de 229%. Essa movimentação gerou um total de 440 novos contratos assinados na última semana de agosto, ante 100 da primeira semana de abril. A plataforma informa que um dos imóveis ali listados é alugado a cada sete minutos.
“Estamos muito maiores hoje que antes da pandemia”, garante Penha.
Da mesma forma, Mate Pencz, cofundador da Loft, outro unicórnio brasileiro, viu a retomada da procura e das vendas em junho passado. “Começamos a perceber que estávamos em patamares superiores ao mês de março, que até então havia sido nosso recorde, e desde então tem sido um novo recorde todo mês, com crescimento de 10%, 20% e até 30%”, afirma.
No total, Pencz conta que o volume de vendas no terceiro trimestre aumentou cerca de 220% em relação ao segundo. “Este aumento é muito maior do que o registrado na comparação com o ano passado, que girou em torno de 70%”, diz o empresário.
Para Pencz, esse crescimento está diretamente ligado ao cenário financeiro. “Entendemos que o motivo são as melhores condições em décadas no Brasil para se adquirir um imóvel, com juros no piso histórico e acesso facilitado ao financiamento”, explica.
Para ampliar a oferta de serviços oferecidos aos clientes, o empresário conta que a Loft adquiriu, em setembro, a Invest Mais. “Com ela, nos tornamos uma das cinco maiores originadoras de financiamento do mercado secundário, que inclui todos os apartamentos menos os lançamentos”, diz. Ele projeta que, com a aquisição, a operação de crédito da empresa supere R$ 1 bilhão ao ano.
O aumento na movimentação do mercado de moradia não foi sentido apenas entre os unicórnios, mas também por startups menores, como a Coliiv.
Voltada para intermediar o compartilhamento de imóveis por meio da análise dos perfis dos candidatos, a empresa criada por Veronique Forat e Marta Monteiro foi surpreendida pela pandemia em pleno processo de reformulação de sua plataforma.
“Continuamos a receber uma demanda orgânica, porque nossa campanha de captação de usuários para valer só começará em novembro”, explica Veronique. “Mas em nenhum momento diminuiu a procura, ao contrário, o número de perfis e cadastramentos só aumentou”, garante ela.
A Coliiv recebeu aporte de investimentos e mentoria da Potato Valley Ventures, fundo de investimentos especializado em construtechs e proptechs, que hoje detém 25% do capital da startup.
A empresa conta com uma base de mais de 10 mil usuários de todas as idades e já contabilizou mais de 1.000 matches nos últimos três anos –sendo que na maior parte desse tempo, o cruzamento dos perfis era feito manualmente, sem o uso de tecnologia. “Fazíamos tudo à mão, em planilhas Excel, cada match nos tomava até duas horas, o algoritmo éramos nós”, lembra Veronique.
Ela credita a esse olhar pessoal o sucesso da empreitada. Desde que começaram, mais de 90% dos usuários da plataforma confirmaram que realmente combinam com seus matches. “Nosso diferencial é a capacidade de juntar pessoas que tenham afinidades para morar juntas, o que não é fácil”, explica.
Agora, a startup se prepara para escalar no mercado, com o desenvolvimento de ferramentas digitais que aperfeiçoam o processo e permitem incluir novas ferramentas.