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Criada para conter a indexação futura, a TR já não vale mais nada

14/08/2018 / Categorias Mercado imobiliário

Na saúde ou na doença, na alegria ou na tristeza. Na hora de poupar para o futuro e conquistar a casa própria ou no apuro do desemprego. Ao longo de quase três décadas, ela esteve sempre ao lado do bolso dos brasileiros. Registrada como Taxa Referencial na frieza dos documentos oficiais, era tratada por todos pela intimidade do acrograma: TR. A taxa perdeu os sinais vitais em 31 de julho, aos 27 anos, vítima de decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN), que retirou dela parte do que restava de sua utilidade e após 11 meses de coma induzido, período no qual nada rendeu. Segundo familiares, sucumbiu, como muitos, à obsolescência trazida pela crise. Não deixa herdeiros e, na visão de opositores, tampouco saudades. O falecimento não foi confirmado oficialmente, porém.

Nascida em 1991, a TR veio ao mundo em tempo e lugar turbulentos: Brasília, anos Collor. A certidão de nascimento está datada de 31 de janeiro daquele ano, assinada pela dupla Fernando Collor, presidente, e Zélia Cardoso de Mello, então ministra da Fazenda, em formato de Medida Provisória. Apesar do registro, consta que os pais biológicos ocupavam, na verdade, o Banco Central — DNA confirmado já nos dias seguintes pela trajetória que a TR trilharia no sistema financeiro.

Como os tempos eram adversos, a TR foi imediatamente lançada às trincheiras econômicas, atendendo a missão hercúlea: conter a irresistível tendência de indexação de preços e salários em uma economia cuja inflação batera 1.476% no ano anterior. O esforço integrava o Plano Collor II, sexto pacote econômico baixado desde a redemocratização do país, em 1985, na tentativa de controlar a explosão inflacionária. O plano, o segundo tentado por Collor, previa novo congelamento de preços e salários, elevação de juros e redução de tarifas de importação visando abrir a economia.

À TR caberia mudar a fórmula de rentabilidade da caderneta de poupança, a mesma que havia sido confiscada no início daquele governo. Até então, a poupança era corrigida com base nos índices de preço, lembra o ex-presidente do BC Gustavo Loyola, que dera à luz a TR quando ocupava a Diretoria de Normas e Organização do Sistema Financeiro (Dinor) da autarquia. O problema é que, ao corrigir a caderneta com base na inflação do passado, a fórmula acabava alimentando a inflação do futuro. Os técnicos da equipe econômica precisaram, então, inventar um novo cálculo que freasse esse círculo vicioso.

Assim foi concebida a TR. Ela substituiria os índices de preços por taxas de juros que as instituições do mercado financeiro já praticavam. Como de hábito, esses juros sempre embutem uma expectativa de inflação para os meses seguintes. Assim, a caderneta deixaria de olhar para o retrovisor para focar o para-brisa. “Embora o Plano Collor II tenha sido um ato de desespero e seu efeito sobre o mercado tenha sido mínimo, sua novidade era admitir que não dava para acabar com a indexação. Em vez de fazê-la ‘para trás’, com base em uma inflação que já ocorreu, procurou-se fazer uma indexação ‘para a frente’. O problema é que ela nunca funcionou plenamente, já que, mesmo com a chegada do Plano Real, sempre houve alguma forma de indexação (pela inflação) na economia brasileira”, lembrou Luiz Roberto Cunha, economista e professor da PUC-Rio especializado em inflação e, logo, íntimo da TR.

Seu cálculo, admitiu Cunha, era um “bicho estranho”, esotérico e ignorado por todos. A quem interessar possa: o BC fazia uma média ponderada e ajustada dos juros oferecidos por uma série de CDBs — um tipo de título de investimento — prefixados emitidos por 30 instituições financeiras; a essa média, conhecida por outra sigla, TBF, de Taxa Básica Financeira, aplicava-se um “fator redutor”, para eliminar do número a influência do imposto — ao contrário do CDB, a poupança é isenta — e da rentabilidade assegurada por lei à poupança. No fim, a poupança renderia seu 0,5% mensal mais a TR mensal. A taxa também serviria de referência para outras dimensões cruciais do bolso dos brasileiros: a remuneração do FGTS e a correção do saldo devedor do financiamento imobiliário.

Como se sabe, a TR não foi suficiente para conter a onda inflacionária da economia. Se em 1991 ela acumularia rendimento de 335%, no ano seguinte atingiria 1.156%; em 1993, viria o recorde de 2.474%. O problema só seria resolvido em 1994, com o Plano Real, que eliminou a hiperinflação, mas poupou a TR. Afinal de contas, mesmo com os preços controlados, os brasileiros continuavam propensos à indexação, e a TR realizava seu trabalho com esmero maior que qualquer outro antecessor. Evidência clara de seu prestígio pós-real, a taxa seria usada como referência de rentabilidade para dois novos títulos públicos — as notas do Tesouro NTN-H e NTN-P —, para o crédito rural e até para a captação de recursos do Banco do Brasil, lembrou o progenitor Gustavo Loyola.

Sua fórmula passaria por mudanças, é verdade, mas quem a conheceu na intimidade garante que a essência continuava preservada. Em janeiro deste ano, por exemplo, mesmo já adormecida, a TR perderia o interesse pelos CDBs e passaria a acompanhar os juros das Letras do Tesouro Nacional (LTN), título público que suplantou em popularidade os papéis emitidos pelos bancos nos últimos anos. A fidelidade da TR à poupança, por sua vez, manteve-se imperturbável mesmo quando a centenária caderneta cedeu a pressões por mudança. Em 2012, sob ordens de Dilma Rousseff, a poupança abriria mão do 0,5% ao mês para render o equivalente a 70% da taxa básica Selic sempre que os juros caíssem a 8,5% ao ano. A TR continuaria, porém, sempre confiável, entrando na soma.

A despeito de sua perseverança, tudo em volta da TR mudou, recolhendo-a gradualmente ao ostracismo. Afinal, os juros de mercado que balizavam seu cálculo foram minguando conforme a inflação cedia. O Tesouro parou de emitir títulos atrelados à TR. Dos 45% ao ano em 1999, a taxa básica de juros Selic cairia para 7,25% em 2013. A TR, por sua vez, cedeu de 5,7% para 0,2% no mesmo período. Quando uma recessão digna dos anos Collor se instalou no país e os juros voltaram a subir, entre 2014 e 2016, a TR até ensaiou uma retomada ao protagonismo, apenas para ser derrubada pelas taxas Selic mais baixas da história a partir do fim de 2017. Foi quando acusou o golpe e caiu a zero. Nocaute. De lá para cá, não vale mais nada, adormecida em torpor financeiro inédito em suas décadas de carreira. “Assim como na teoria de Darwin, conforme se desenvolve a evolução, os elementos mais fracos morrem. A TR morreu na seleção natural da macroeconomia”, disse com frieza o professor Michael Viriato, coordenador do laboratório de finanças do Insper.

Já com a TR em coma, uma canetada de Brasília no fim de julho escancarou sua proscrição. Ao anunciar amplo pacote de mudanças no financiamento imobiliário, o BC (justo ele!) acabou com a obrigatoriedade de utilização da TR na correção de contratos celebrados fora do Sistema Financeiro da Habitação (SFH). A partir do ano que vem, os bancos terão liberdade para utilizar outros índices para a operação. “As coisas mudam na vida. Naquela época, a inflação no Brasil era de dois dígitos ao mês e eu estava muito satisfeito em comprar um Opala. Mas o mundo mudou, e tudo tem seu tempo”, reconheceu Gustavo Loyola, que hoje é sócio da consultoria Tendências.

Loyola admitiu que a TR era “uma coisa tupiniquim”, uma jabuticaba financeira que só pôde existir graças às peculiaridades da economia brasileira dos anos 1980 e 1990. De todo modo, ela sobreviveu a uma penca de outras siglas nascidas da mesma árvore genealógica. São nomes como a Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional (ORTN), a Obrigação do Tesouro Nacional (OTN) e o Bônus do Tesouro Nacional (BTN), sopa de letrinhas que consagrou a simbiose entre Brasil e inflação, entre economistas nacionais e criatividade para alternativas heterodoxas.

“Conforme se vão essas siglas, a economia vai se simplificando. No caso da TR, é a crônica da morte anunciada. Não se espera um cenário da retomada da inflação que possa mexer com os títulos a ponto de recuperar a importância da TR”, observou o economista Ricardo Macedo, coordenador de Economia e Administração do Ibmec-RJ.

Embora ninguém tenha assinado o atestado de óbito, pessoas próximas à TR admitem que são nulas as chances de reanimação. Incertezas econômicas à parte, nenhuma delas acredita que o cenário de juros retrocederá aos elevados patamares do passado a ponto de reavivar suas pulsações. Mesmo Loyola vê como um avanço a chegada de concorrência no financiamento de imóveis. Para ele, vai-se a TR, mas sobra mais espaço para a ampliação desse mercado. “A ideia do BC é fomentar o crédito imobiliário por meio de taxas de mercado, de maneira que ele possa ser securitizado e ultrapassar os limites da caderneta de poupança. Não fosse a crise, a poupança, que fornece parte considerável do financiamento à habitação no Brasil, não estaria dando conta da demanda”, disse o pai da TR, confidenciando a ÉPOCA que não planeja comparecer ao sepultamento. 

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